quinta-feira, 28 de maio de 2009

AS PRIMEIRAS PALAVRAS

Rio Ponsul (afluente do Tejo e local dos meus primeiros "mergulhos" ) - Foto de Maria José Mendonça

Enquanto discípulo involuntário,
quiseram que as corrompesse.
Inocentemente, construí e soletrei ditongos,
deduzi os sons pela Cartilha,
massacrei a gramática como pude.
Queria que as letras me servissem, e isso era impossível.
Dedilhei-as ainda, ensopei-as de saliva
e sublinhei-as com tinta e raiva para que se colassem a mim,
mas só com amor vieram.
Não sabia ainda da sua utilidade
e do quanto viria a gostar delas.
Pensava: para quê juntar as letras em papel
para dizer coisas, se posso até gritar as dores da alma
ou os frenesis do corpo?
Mais tarde, reparei que eram janelas
com vista para as palavras
e com estas e um pouco de imaginação poderia construir metáforas
e outras ilusões.
Poisavam nas minhas mãos como pequenos pássaros
nos peitoris debruçados para a rua;
nidificavam nos meus ombros
para melhor aconchego em todas as migrações.
Foram ficando.
São minhas companheiras fiéis.
Sem palavras.
(Prova de Vida - inédito)

5 comentários:

  1. Sem palavras!
    Eu, que tenho levado a vida a semear palavras, sinto-me feliz por esta maravilhosa visão do que é escrever. E se um único dos meus alunos descobrir no futuro, que "com as palavras e um pouco de imaginação poderá construir metáforas
    e outras ilusões" darei por bem empregue todo o amor e o empenho que sempre dediquei a esta nobre arte de ensinar as primeiras palavras e as "coisas" que cada uma delas tem dentro.

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  2. Gostei de ambos os objectos: primeiro, a fotografia que me entrou pelos olhos dentro; depois, o poema, que li lentamente.

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  3. É bom descansar um pouco nesta tarde quente de domingo nas palavras que correm no rio deste poema.


    Mário

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  4. Gostei.
    Sem mais palavras.
    Carlos Vale

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  5. que bem que sabe"sentar me" à beira deste rio e em silêncio... escutar
    brisas mansas**

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