segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

QUANDO AS HORAS


As que batem como avisos e cautelas;
as que voam, e que faltam, as quebradas;
as que se entranham como sovelas;
as sem conto e as que se exibem badaladas.

As horas são a saudade e as bem ouvir
ao ritmo da contagem sempre crescente:
uma, duas, três… no seu ofício de mentir
dentro de nós, envelhecendo-nos, eternamente.

E as horas do futuro, que horas serão?
Essas já não sei, não serão horas do meu tempo.
Simples ou dobradas, horas ou não,
já não poderei tê-las e ouvi-las, lamento!

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

DIÁLOGOS CANINOS



CÃO POLÍCIA :

 -Travesti – de gatas
tem tal perícia
em quatro patas
o cão polícia
    .
CÃO LADRÃO:                           

Béu – béu  disse o cachorro,
se não digo morro.
- Ão, ão  refilou, adulto, o cão,
somente eu ladro ão.

   
CÃO CÃO :                                                      

Vida de cão
é um caixote de lixo;
não é luxo, não,
coitado do bicho.


sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

CAPITAL (IN)VESTIDO


Não é de cambraia, tampouco popelina,
É mais o tipo de riscado de qualidade má,
ou seja, o que parece nobre, coisa fina,
não passa de forro de oculto tafetá.

Faz-se anunciar em tules e brocados,
e passa por fidalgo pano ou pura lã.
Não é mais que fios entrelaçados
de mais-valias dum tecelão ou tecelã.

O mesmo nos privados panos intestinos:
badaladas bolsas e demais adornos,
bonés, chapeletas, adereços bovinos
e nessas passerelles (in)vestem, os cornos.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

TEMPO FRIO


A charneca vestiu de branco
e os pássaros ao longe cantam
a brancura com seu livre canto;
no branco da charneca os pássaros encantam.

Faz frio, o ar é agudo como agulhas,
mas eu, em frente da lareira,
sacudo apenas as persistentes fulhas
e oiço dos pássaros o canto à sua maneira.

Cantam os pássaros como ninguém
e eu fico só à espera de quem vem.   

sábado, 13 de dezembro de 2014

O FIM DAS DÚVIDAS


Não corre o rio de costas para o mar,
não corre. Não sopra o vento através do muro,
não sopra. Não voa o pássaro por voar,
não voa. Nada é feito sem futuro.

 Não mata a fome o negro pão ganhado,
não mata. Não arde o coração do louco,
não arde. Não grita o dócil nem o acomodado,
não grita. Não grita, mas falta pouco, muito pouco!

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

SEM PEIAS



Os crocodilos choram, estou comovido
e choro com lágrimas de suprimento,
que as minhas secaram já em tempo ido
e a comoção não tem lugar no orçamento.

Quero agora ser comum marginal,
capaz de resistir e dar o peito á luta:
quero gritar aos reptis que me sinto mal
e chamar-lhes, sem peias, filhos da puta

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O MAL TALHADO


Faltava um bocadinho assim para lá chegar,
mostrava entre o indicador e o polegar;
coisa muito pouca, daqui até lá é um ápice.
Logo a seguir vinha a novíssima burrice…

Tomou ofício de ministro com altas notas,
dos que prometem tudo e um par de botas
mas, ao contrário, dele nada se atinge ou herda
e em tudo onde põe a mão faz merda.

Mas não se pense que é obra do destino;
que tudo  lhe foi azar, moléstia ou desatino…
Não, essa é a sua capa, o seu disfarce,
que estas malfeitorias têm conteúdo de classe.

Assim deixo a questão para pensar de novo:
faz-se a folha ao mal talhado ou troca-se de povo?