terça-feira, 31 de março de 2020

ENQUANTO A GUERRA (2)


Nos finais deste mês - apesar da situação de pandemia que vivemos - bombas sionistas voltaram a cair sobre Gaza.

As balas assobiam a música
que levam dentro
e explodem de alegria quando matam.

Não nos citam os jornais;
somos a carne viva das notícias,
enquanto a guerra nos transforma
em aéreas ondas de pó
e é o silêncio que ouvimos
a par do zumbido da morte.

domingo, 29 de março de 2020

ENQUANTO A GUERRA




Falam de ogivas e devastação
e a ocidente
todos os resistentes são rebeldes.

Morre longe, a tropa.
- Deus os tenha, deus nos guarde!
Não há cheiro a pólvora nas notícias,
não corre o sangue nos jornais.
É longe a guerra, alheia a morte.

quinta-feira, 26 de março de 2020

TAXAS E TAXINHAS


Se a dor piora
taxa moderadora

se não paga agora
juros de mora

e à cabeça não esquece
de seu nome IRS

recurso ou apelo
imposto de selo

o mercado resolve
o mercado dissolve
a escassez e a praga
e vive montado
no capital acumulado
que o povo paga

depois do velório
imposto sucessório

circule ou não
imposto de circulação

pão de forma abusiva
sem chouriço e com iva

se há lágrima no rosto
água e sal imposto

e a contragosto
em tudo imposto
taxado à medida
enquanto se apronta
(nada de monta)
um imposto prá vida 

terça-feira, 24 de março de 2020

AS SOMBRAS SÃO


Assombração
é uma sombra invisível entre os ossos;
as sombras são
restos de nós, pecados nossos.

O que imaginamos são sombras venais,
as sombras são
adereços, meros aventais,
nós é que não, nós é que não.

E quando cai assombração
(se dá para o torto)
nem alma, nem das tripas coração;
é o diabo no corpo.

domingo, 22 de março de 2020

ADAPTAÇÃO À REALIDADE


Água mole em pedra dura
se não mata engorda
o que arde cura

macaco me morda
bicho de má catadura
sem pão não há açorda

não há fome sem fartura
quem roer a corda
com porcos se mistura

nunca a vi mais gorda
gordura é formosura
acorda povo acorda

sexta-feira, 20 de março de 2020

VER


Se olho é porque olho;
e se não olhar não vejo,
e se não vir, não escolho,
não decido nem elejo.

Se olhar a espiga ao sol,
que vejo senão espiga,
que vejo senão sol?
O olhar que o diga.

Vendo, o olhar não para,
é o que sinto; o que digo:
ali vejo uma seara,
um mar de pão de trigo.

terça-feira, 17 de março de 2020

SINAIS


O céu dá sinais de calma, sem tempo
nem vestígios de choros, súplicas, desejos;
exibe os seus lábios vermelhos e sedutores,
insinuando um beijo.

É o que sinto, não o que vejo.

sábado, 14 de março de 2020

PALAVRAS








A como estão por estes dias
as palavras na bolsa de valores:
as de honra e as vadias
e as buriladas de várias cores.

A como estão as rejeitadas,
as que não constam do gráfico;
as palavras mal paradas
e as que são erro ortográfico.

E as palavras-chave, que é feito delas,
que ninguém conhece
e se escondem cheias de cautelas
como os números sorteados na quermesse.

E as que são pelo poeta aproveitadas
em fila para entrarem às centenas,
as que não são cotadas
na bolsa on-line dos poemas.

As de amor, as de raiva, todas elas,
levadas pelo vento, ditas à pressa,
recatadas, que é bom tê-las,
palavras que não passam de conversa.


quinta-feira, 12 de março de 2020

CORDIALIDADE


Não é meu jeito incomodar
só porque não quero, porque não gosto:
-com licença, deixem-me passar
as armas e bagagens para o lado oposto.

Quando o cenário não me agrada
e as coisas começam a ficar pretas,
melhor que não fazer nada
é fazer caretas.

Assim registo o meu desapontamento
e sem mais custos acrescidos
aceno com a mão um cumprimento,
passem bem, ficamos esclarecidos.

terça-feira, 10 de março de 2020

MEMÓRIA DO CASTANHEIRO


Se ainda fosse rapaz novo perdia cautelas e medos,
e ia agora trepar ao velho castanheiro.
Descalço, tronco acima, e com o pau de dois dedos
segar os ouriços. Caídos ao chão
haveriam de abrir-se em dois e libertar o fruto,
que a mãe natureza mantinha em cativeiro.
Se fosse rapaz novo, mas já não:
apenas escrevo a saudade de quando era puto.

domingo, 8 de março de 2020

BRANCA DE NEVE E OS SETE ANÕES


Eram anões todos eles,
constam sete,
do mais ousado ao mais reles.
Sete, nem mais nem menos: sete.

Garimpeiros de profissão e passatempo
(os anões) cantavam trá-lá-lá
por contentamento
e para a princesa, claro está.

Veio então a bruxa e a maçã,
que juntas são veneno e são ciúmes,
a morte temporã
nesta história de costumes.

Mas aqui não houve jornais
Interessados na bruxaria
e se houve magistrados e tribunais
ficaram em banho-maria.

Houve um príncipe neste ensejo,
que fez as vezes dos juízes,
dando à princesa um beijo
e foram muito felizes.

Contei de novo a história,
eis a prova:
se a tinha ainda em memória
como poderia ser história nova?

Por que havia de inventar
uma justiça que morde e não beija
e a morte que não seja a brincar
assim, servidas de bandeja?


quarta-feira, 4 de março de 2020

O CAMINHO DOS SONHOS


Caminho e tenho sonhos:
os meus lugares de sonho, os meus sonhos já sonhados,
e outros ainda que encontrarei mais à frente. Tenho a certeza.
Sonho como uma realidade persistente;
entro e saio sempre que me apetece, afasto-me
quando não gosto. Toda a verdade tem um sonho
e eu caminho entre rosas, buganvílias e aloendros.
Enquanto houver flores saberei que sonho:
enquanto sonhar posso abrir caminho entre pedras,
cardos e espinhos de que é feita a realidade
e tudo pode florir de repente. 

domingo, 1 de março de 2020

A VELHA ÁRVORE


Não sei se os músculos da vida já vivida,
se os musgos acrescidos pela espera;
sei que há esperança nesta árvore envelhecida
e que é deste Outono que brota a Primavera.

Quando morrer, jamais na lembrança
que dela tenho; deixará raízes, frutos, vida
e aí reside, em parte, a nossa esperança:
um novo sol renasce em cada despedida.