domingo, 29 de junho de 2014

EXÍLIO



Naquele tempo
ancorávamos os nossos barcos de papel
e, de peito ao vento,
subíamos à lua por um cordel…

Depois, desesperados,
como os pássaros fugidos da agonia,
ficávamos ali atracados
até que rompesse o dia.

Se valia a pena, apesar de desterrados?
Valia!

sexta-feira, 27 de junho de 2014

LILÁS

Que flor é esta, assim-assim,
com o nome da coloração?
Os lilases deste jardim,
cores ou flores, o que são?

Neste enigma aparente
entre o ser e o que assemelha,
as dúvidas ficam p’ra gente
e todo o mel para a abelha…

quarta-feira, 25 de junho de 2014

INQUIETAÇÃO


Já não sinto raiva ou ódio ao que me apoquenta;
sou até incapaz de acusar, irado, de dedo em riste,
os medos, as traições e a dor que não se aguenta…
o certo é que há coisas que não se apagam e fico triste.

E se sorrir dou sinal de mim, dou por mim com gente,
sendo igual por dentro, com ares de casto por fora…
E como é sábio e nojento o corpo que assim mente;
armadilhar o coração de beijos e vontade de ir embora.

Comecemos então pelo fim, pelo que me é dado agora:
estimo as pedras e os pássaros, os mais inquietos,
mas como tudo, se um quase nada faz soar a hora,
já parti de mim, já mandei às malvas sorrisos e afectos.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

ESTRELAS DO MEIO-DIA

Ainda por desabrochar,
as estrelas do meio dia:
fazem contas de ficar,
'inda a manhã está fria.

Depois explodem de cor,
em tentação desmedida,
as estrelas rasas em flor,
ao meio dia da vida. 

sábado, 21 de junho de 2014

OLHAR


Olhássemos nós o mundo das varandas 
dos teus olhos
e então veríamos.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

SOGRAS E NORAS


É muito frágil esta relação
em que tudo pode acontecer:
pela frente estão no coração;
por trás nem se podem ver…

Crescem de costas voltadas,
sendo irmãs da mesma haste,
mas com graça, não zangadas,
que mágoas têm que baste.

É pelo príncipe encantado
que todo o enredo se tece,
ambas o querem ao lado,
o que nem sempre acontece.

De candeias às avessas,
por quererem meter a colher,
zaragateiam, pedem meças,
é complexo ser mulher!...

São vistas da nossa andança,
que a gente vê quando passa
e nomeia por semelhança,
de contrário não tinha graça.

terça-feira, 17 de junho de 2014

CHORÃO


Por que choras tu, criatura,
que mal te fazem, que é de ti?
Quem ousa disputar tua alvura
teus sóis, como nunca vi?

Bem vejo, as flores são amarelas…
Mas que diabo, passa ao lado.
A vida não é só telenovelas,
Não é só choro, não é só fado.

Presumo, fazem de ti capacho!
É o que temos, não se educa…
Mas se o preço é ficar por baixo,
tal não paralisa a nossa luta!

domingo, 15 de junho de 2014

BRINCOS



(Na primeira pessoa, brinco
e vou afinando a aselha
que, vistosa, no sujeito finco,
em prévio buraco na orelha…)

É aparente o erro gramatical,
pois a flor, só por si é bem capaz
de me lembrar o bem e o mal
das minhas brincadeiras de rapaz.

Então, corsários e cavalheiros,
no tempo semiótico das reguadas,
salteávamos os expostos canteiros
para os dar depois às namoradas.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

VIDA DE CÃO


Não eram casas, não era rua,
não eram escadas; era nada,
excepto eu, a terra nua
e o meu anjinho da guarda.

Não era gente, não era vida,
nem horas ali passavam,
Uma coisa além perdida,
que os olhos mal enxergavam.

Nada! Apenas eu subindo
e descendo o quarteirão:
cachorro pobre resistindo;
desgraçada vida de cão.

terça-feira, 10 de junho de 2014

ÁGUA


Na água me inspiro e tenho fé
água doce e corrente, aqui ao pé,
que mata a sede, consumida,
mas que, correndo, nos dá vida.

Água de beber, água a cantar
nas pedras antes de desaguar,
naquele mar imenso, seu endereço,
junto às lágrimas do que padeço.

Água por tudo e por nada,
a que corre, depois fica parada,
à espera que o homem se decida:
vida ou morte, morte ou vida?

domingo, 8 de junho de 2014

A ROSA


Por fim, a rosa doirada
abriu no meu jardim,
não a rosa rosa, despeitada,
este cor-de-rosa que há em mim…

Que pode a flor mais pura
ser de nós amor constante?
O amor é eterno enquanto dura,
solte-se o amor neste instante!

Será Verão e depois Outono,
como o dia, que sempre anoitece,
todos os dias, mas em próprio abono,
o nosso amor, intacto, permanece.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

COINCIDÊNCIAS


Ás vezes um olhar fixo e persistente,
ainda que imaginado, pressentido,
obriga-nos a olhar em volta,  impertinente,
como se o afogo fizesse algum sentido.

Nada mais, além da impressão
dum muro sombreado de desatinos,
uma lua atrevida em translação
num céu vacante à procura de inquilinos.

terça-feira, 3 de junho de 2014

DESEJO


Até mesmo neste alexandrino de aluvião,
voar é talvez a arte que eu nunca deixe:
sobretudo se mo permitir a imaginação,
uma vez que o mar apenas me lembra peixe…

domingo, 1 de junho de 2014

TROCADILHOS


Troco o lábio pelo beijo,
e a boca por um sorriso,
só não troco o meu desejo
por dois dedos de juízo.

E estes, de tanto te olhar,
com cegueira figurada,
antes mesmo de tos dar,
já tenho a vista trocada.

Troco anéis, que remédio:
os dedos fazem-me falta…
para sustentar no assédio
do meu solfejo sem pauta.

Troco sinais, coisa pouca,
de forma mais recatada,
e também troco de roupa,
não me faltava mais nada!