quarta-feira, 29 de junho de 2011

CORRE-CORRE


A vida passa a correr
e nós sempre a bulir,
corremos até morrer;
a vida passa a fugir.


Corremos, ora para ali,
ora para o outro lado:
- ainda agora te vi,
já não lembro ter olhado.


Corre a vida e o tempo
em sentidos opostos:
a vida corre por dentro,
o tempo, p’ra todos os gostos.


Valendo a vida a correr,
sem olhar em redor,
o melhor é não nascer
e dar a vida ao criador…


A vida passa num ai;
o tempo todo, ir e vir:
só o que vai, não vai,
não é correr, é fugir.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O BELISCO


O obelisco foi finalmente removido
do rim direito do escrutinado ministro.
Contas feitas - o que, por acaso, duvido -
valeu a pena mas não valeu o risco.


Para quem era tão duro de ouvido,
por se lhe ter suicidado o bicho,
do clamor não deu pelo ruído
e agora vai-se por apenas um belisco.


Então não tem outro rim, o ministro?
É surdo? Deixa, nós tratamos disto!

quarta-feira, 22 de junho de 2011

REIS PARTAM!


É rei el rei se for bolo;
reinação, se o rei for tolo.


Abjecto rei de nu vestido;
rei momo é adjectivo.


Todos os reis, reis para tudo;
desde o bacalhau ao Entrudo.


De reis, até ao pescoço,
a quem tem dez reis no bolso


Copas, paus, ouros, espadas:
reis p’ra todas as jogadas


De um tal Midas, o toque
ficou sem rei nem roque.


Reis da rádio telefonia…
Reis partam a monarquia!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

quarta-feira, 15 de junho de 2011

segunda-feira, 13 de junho de 2011

AS TARDES

O cabaz de cerejas foi-me enviado pelo meu amigo Mário Quintas. Não o consigo endireitar (na foto) que é como quem diz não o vou levar a sério… Mas isto de cerejas é muito superior às minhas forças. Obrigado Mário. Terei cuidado com os caroços…
Nunca as tomei a sério:
lambuzado de poemas, apertava com força
e descuido o sexo das borboletas moribundas


e subia pelas cordas estendidas
na sombra às cerejeiras que suplicavam
o contacto das minhas pernas nuas,
entrelaçadas na frescura seca
dos seus ramos meigos.


Descia
ainda
abraçado
ao tronco,
farto, meio sujo,
com os lábios tingidos de vermelho
e dois cachos de poemas
pendurados nas orelhas.

domingo, 12 de junho de 2011

quinta-feira, 9 de junho de 2011

quarta-feira, 8 de junho de 2011

segunda-feira, 6 de junho de 2011

JOSÉ GOMES FERREIRA

VIANA DO ALENTEJO, 6 DE JUNHO DE 2011
APESAR DA CHUVA TORRENCIAL DE ONTEM, AS PAPOILAS DESTA MANHÃ VERMELHAVAM COMO NUNCA!

Em quantos dos teus livros escrevinhei
cumplicidades, elogios e outras simetrias?
Bebi nos teus versos muito do que sei:
das palavras, das raivas e das alegrias.


Certa manhã, de melíflua luxúria, viajei
para Campolide no carro em que seguias
e, posso garantir-te, também eu reparei
na mulher reclinada na tua companhia.


Da simbiose de murmúrios e protestos,
brotaram ímpias odes e manifestos,
com a ardência de súplica verdadeira.


Criaste versos de chumbo, clandestinos,
com remetente e endereço de destino:
abaixo-assinado, poeta, José Gomes Ferreira.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

MIGUEL TORGA


Lá onde, pé descalço, rude e pensativo,
como torga rubra , urze transmontana,
deixa ver se mesmo assim consigo
menos severidade e um pouco mais de gana:


tantas as andanças e versos crespos,
enterrados na voragem do dia a dia,
fica o quê, exemplos em forma de textos?
Pois nada consta em otorrinolaringologia.


Vejamos: o mundo é mundo faz tempo.
Quando chegaste, voltaste ao seu início
com que ideia foi, a não ser matar o vício?


Não vejo outra razão ou planta ou vento,
se não o remédio e o veneno ao mesmo tempo,
como se a vida fosse da morte o sacrifício.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

CESÁRIO VERDE


O sentimento, ambos sabemos, é verdadeiro.
E a palavra crespa, tudo menos tosca,
qual obra-prima às mãos de um torneiro:
primeiro o parafuso e só depois a rosca.


E então sim, o engenho serve, enrosca,
é incisivo, ganha forma por inteiro.
Só aparelhada é que a obra busca
o uso, o dom e o desígnio certeiro.


Ah, mas as estilhas eram supinas,
talas eruditas, solenes, finas,
em jeito superior e garganeiro.


E prescreviam para obra de pedreiro
a prancha, o andaime servente e corriqueiro,
a quem erguia prédios muito acima.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

JOSE RODRIGUES MIGUEIS


De que valeu aos mais a escapatória,
o palco, os veludos, as purpurinas?
Aqui combatíamos pela efémera glória
a troco de tafetás e popelinas.


Tivemos, porém, deste lado, a história
macerada de várias sortes, de várias sinas.
Um tempo insano cuja memória
se faz de medo e caixas de aspirinas.


Aquele que nos zelava e não dormia,
- Inventor do absurdo e da sordícia -
atulhou-nos as algibeiras com lama.


Sabia-se em Nova Yorque ou em Alfama,
que em Portugal o cárcere, as letras pela rama,
a côdea e a tabuada, já eram bastante pedagogia.