quinta-feira, 31 de março de 2016

PROEMA


primeiros prantos
pregos proibidos
prémios primos
prédios pretos
pratos prévios
praias próximas
preces privadas
praças preenchidas
pregam presbíteros
pregões preceptivos
prefixos preditos
problemas primários
presos preventivos
professores provisórios
projectos profundos
procissões profanas
próximos programas
provas práticas
princesas prenhas
provisoriamente
pronto 

segunda-feira, 28 de março de 2016

O TEMPO


(esboço para uma informação diária)

Segundo
observadores
geralmente
bem
c o l o c a d o s
a crista de altas pressões
que vem afectando o estado do tempo
em todo o hemisfério ocidental
tende
a
dissipar-se

- o tempo vai mudar

sábado, 26 de março de 2016

ILUMINAÇÃO NOCTURNA


À luz enganadora da imaginação,
que lhe deixa desprendida a fantasia,
subo e desço a imensa escadaria
com o olhar nocturno preso ao chão.

Subo sem subir; desço sem descer,
passo o tempo neste vaivém constante,
de cima abaixo; de trás para diante
e todo eu ali parado, sem me mexer…

segunda-feira, 21 de março de 2016

SONHO DE MIM



Vivo de sonhos e espuma,
e de planos que nunca traço.
Ao todo é coisa nenhuma,
habitando o mesmo espaço.

E enquanto sonho que vivo
neste imaginário compasso
vou coabitando comigo
à distância de um abraço.

Insisto – se é que insisto,
vestígios de mim ou cansaço –
em ser, nunca desisto
do sonho de que me faço.

quinta-feira, 17 de março de 2016

CHOVEM NOTÍCIAS


A terra, tão bastarda como fértil
que conheço e onde, ainda hoje,
tenho braços e pernas enterrados,
aqui é entulho e lama e os frutos,
cromaticamente falsos, são artigos de folheto.

A chuva, a inconveniente chuva,
se se demora e inunda, é notícia de jornal,
carreiros de rega transformados em valetas,
estéreis barrancos da cidade,
vertendo no bueiro mais próximo,
para o descanso de todas as almas recenseadas.

terça-feira, 15 de março de 2016

VERSOS ACIDENTAIS

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Pela porta entreaberta numa parede
da minha velha casa espreito o mundo
na rua, que de nada desconfia.
Eu é que suspeito que ele sabe mais de mim,
sem me ver, do que eu dele, que se esconde
além da porta acidental da minha parede.

sábado, 12 de março de 2016

PALPOS DE ARANHA


Passam-se coisas estranhas
ou, pelo menos, esquisitas:
na terra dos parasitas
anda tudo às aranhas,
salvo as ditas.

Passando aos pormenores,
há os que por acaso mero
tecem teia a partir do zero:
aracnoexploradores,
salvo erro.

Usando de baba e peçonha,
são servidos de bandeja
mesmo que a gente não veja
por outros bichos sem vergonha,
salvo seja.

terça-feira, 8 de março de 2016

NEGLIGÊNCIA


Na árvore havia sempre um fruto
mais vistoso e mais difícil de se lhe chegar,
lembro-me bem.
E também me lembro que comia
todos os frutos fáceis de alcançar e me sabiam
àquele que o meu olhar guloso mastigava.

Guardava diariamente o fruto mais apetecido…
Afinal, ele dava sabor a todos os outros
que me alimentavam e um dia, pensava,
haveria de abandonar tanta arrogância
e cair-me nos braços.
No dia em que finalmente caiu
estava amargo e velho como o meu desleixo.

sábado, 5 de março de 2016

A CIDADE PERFEITA


Ainda a simulada defesa do património
assentava arraiais no perfil das aduelas,
na cor dos telhados, portas e janelas
e já sopravam ventos doutro demónio.

Vieram então granitos de encomenda,
rectroescavadoras e demais engenharias,
capazes de transformar em poucos dias
a cidade que assim se pôs à venda.

Ferro para ali e para acolá, fora o cimento,
um arame floreado em perfeita simetria
e holofotes capazes de imitar a luz do dia,
podendo não ir muito além do que é cinzento.

E passam por tudo isto os cidadãos utentes
no vaivém, como cães por vinha vindimada,
farejando o chão e o oxigénio de mão dada,
a quem só faltam palas nos olhos e freio nos dentes.

Vão passando adormecidas por aí as criaturas,
carregando a fé nos sacos do supermercado,
o dia a dia e também o mau bocado,
agora e na hora das nossas acções futuras.

Contas feitas, não há como a saudade
do ronco dos motores das betoneiras,
do brilho dos néones e das floreiras,
e do pechisbeque aramado no centro da cidade. 

terça-feira, 1 de março de 2016

DEUS QUEIRA


Deus escolheu para si o céu,
deixando a sua obra prima
à mercê das trovoadas,
espargida do alto e encharcada de fé.

Deus escolheu para si as nuvens,
para nelas se representar
nos tectos das catedrais
e as duas obras se contemplarem.

Deus escolheu para os seus
os jardins e canapés celestes,
ciente de que não chove nunca
do negrume para cima.

Deus escolheu para si
o lado cerúleo do universo
e apurou em nós a alma
para a expiação parda do pecado.

Deus concede-nos lugar
no condomínio, caso as lágrimas
nos façam sucumbir
e ter direito a uma morte santa.