segunda-feira, 31 de julho de 2017

MÚSICA II

Aguarela de Jacek Krenz

Sineiro sou, de sinos, pois,
que outros há que a rebate
ou mudos, de enfeite, a dois,
que não sirvam a quem os trate?

Dou momentos, ave-marias,
horas mortas, desatino;
passo assim noites e dias,
ganhando p’ra corda do sino.

domingo, 30 de julho de 2017

MÚSICA

Aguarela de Jacek Krenz

O som sinuoso dos sinos
e os da pauta, do solfejo.
Lado a lado dois hinos
etéreos como um beijo.

Os sons e os símbolos divinos,
na praça repartidos,
da partitura aos sinos
são música para os ouvidos.

sábado, 29 de julho de 2017

PORTAS E JANELAS

Aguarela de Jacek Krenz

Memória de portados e janelas onde já ninguém se afoita. Agora é a nossa vez de os olhar.


Da janela vejo quem passa
e o mundo que passa por ela,
correndo além da vidraça,
olhando para a minha janela.

Batem-me à porta, breve
como um sussurro ou lamento.
Espreito pra ver quem se atreve:
nada mais além do vento…


sexta-feira, 28 de julho de 2017

RUA REI D. DINIS

Aguarela de Jacek Krenz


 Teimosamente chamada ainda “Pá Queixada” pelos mais antigos. Foi rasgada no início do século passado e logo se encheu de lojas comerciais. A modernização da cidade “limpou” a artéria mas permitiu que o seu coração sucumbisse.


Debruçado na varanda vejo o rio de gente correr…
Se há mar? Logo se há-de mostrar:
um que agora vai e outro que está para vir.
E se não houver, o melhor é ver,
que há sempre um mar para descobrir
e outro para naufragar.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

CINEMA

Aguarela de Jacek Krenz

O antigo Cineteatro Avenida, ou simplesmente o Cinema, espreita ali à esquina o novíssimo CCCCB… - Que há de novo? – Parece perguntar…



Entre os dois a escolha
fere a vista
a quem olha

E logo se diz ah:
tem uma pista
vá que não vá

Fugindo ao tema:
o que reter
a obra ou o sistema?

Não há dilema:
o que há para ver?
vou ao cinema

quarta-feira, 26 de julho de 2017

AMATO LUSITANO

Aguarela de Jacek Krenz


 Nascido albicastrense, em 1511, com o nome de João Rodrigues. Após cursar medicina em Salamanca quis regressar a Portugal. A Inquisição não autorizou, foi perseguido. Era judeu. Emigrou para Antuérpia e daí para onde pode caminhar como cidadão livre. A sua figura emerge na Praça do Município. Dá o seu nome ao Hospital Distrital e a uma das escolas secundárias. Disse dele em antologia evocativa:
Em estátua tens a verdade nua e crua:
foi-te a vida de saberes e de degredo
e agora, quieto, que apontas para a lua,
há quem insista e te olhe para o dedo.



Os Paços de quem fica e de quem passa
com pressa de ficar (pese o anonimato)
só de alma sabem quanta desgraça
outrora houve em nós por ti, Amato.

Tamanha gente, tamanha praça;

tamanho é o teu vulto e a tua raça.

terça-feira, 25 de julho de 2017

NO CORAÇÃO DAS HORAS

Aguarela de Jacek Krenz

O RELÓGIO DA TORRE

Constitui uma das principais memórias da cidade. A mais antiga, por certo. Apesar das inúmeras intervenções mantém o seu porte altivo como um farol, como “um velho de largas sobrancelhas emergido do casario”.


Na Torre, onde faz tempo,
as horas batem por fora
há um relógio por dentro
que faz o tempo hora a hora.

Marca as horas boas e más
com preceito e exactidão
de frente, de lado e de trás,
faz das tripas coração.

Marca a vida em compassos,
em esperas e pontualidade,
retalha o tempo em pedaços,
fingindo não ter idade.

A idade (provado assédio)
é o que o relógio recorda
e não resta outro remédio,
que paciência…  e dar-lhe corda.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

PARQUE DA LIBERDADE III

Aguarela da Jacek Krenz

“Senhora partem tão tristes”…
estes meus olhos por vos deixar:
- ai coração que não resistes,
promete que hás-de voltar.

A saudade me traz e me leva
em constante vaivém,
olhar que jamais releva
“outro nenhum por ninguém”.

domingo, 23 de julho de 2017

PARQUE DA LIBERDADE II

Aguarela de Jacek Krenze

Aqui desenho um sol maior para o meu pai,
quero que ele o veja mesmo ausente:
mentir por bem, quando por bem sai,
é a verdade que se diz e não se mente.

Pai, não te vou mentir:
o sol que me mostravas nas fotografias
é outro, que sou capaz ainda de sentir
como eu o via e tu vias.

sábado, 22 de julho de 2017

PARQUE DA LIBERDADE

Aguarela de Jacek Krenz


O Parque é o primeiro brinquedo
que nos é dado em criança.
Depois, o primeiro beijo em segredo,
e a lembrança, e a lembrança…

É a primeira lembrança
no retrato que levo guardado;
as aventuras de criança
e o primeiro beijo roubado…

Feito de água, de sombra e de frescor
dos lagos e das roseiras
ou aconchegos de amor,
quando o sol bate nas trepadeiras.

As sombras frescas e olores
(pulmão verde da cidade)
são outros tantos amores
do Parque da Liberdade…


sexta-feira, 21 de julho de 2017

JARDIM DO PAÇO III

Aguarela de Jacek Krenz

Não sei ainda o que era aquele amor,
sinónimo de água e efémera  claridade:

princesa de todo este terraço,
sei que Antheia era uma flor,
uma flor pulcra, perene e sem idade.

Eu é que a espero ainda no Jardim do Paço.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

JARDIM DO PAÇO ll

Aguarela de Jacek Krenz

O primeiro avanço era o lago
das coroas, onde ela se banhava nua…

Depois um beijo, um afago,
uma mistura inflamada de sol e lua.

Não sei se era Domingo ou outro dia qualquer,
o que então era água, flor e mulher.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

JARDIM DO PAÇO 1

Aguarela de Jacek Krenz

A par de todos os mistérios, o Jardim do Paço é o sítio dos encantos, que os albicastrenses guardam para o mais solene das suas vidas e os visitantes levam de recordação para os lugares de origem. António Salvado dedicou-lhe um livro de poemas. É um sítio de encantos.


Aqui esperava por ela
com o sol sempre de fronte.

Tardava como toda donzela
e eu ressequia, não fora a fonte.

Quando chegava, vestida de flores,
eram doiradas até as suas tranças pretas.

Acabavam as sedes, as ansias e as dores,
nada valia mais que um ramo de violetas.

terça-feira, 18 de julho de 2017

O PRESENTE PASSADO

A Junta de Freguesia de Castelo Branco editou recentemente um trabalho, em livro, em que participei, escrevendo sobre 28 aguarelas de Jacek Krenz com motivos da cidade e a quem muito agradeço a autorização para aqui as publicar. É sobre esta feliz parceria que a partir de hoje vos irei dando conta.

A rua Vaz Preto constituía o limite da muralha templária. Não obstante, a construção foi furando, foi minando, até ao desaparecimento em metade da rua. Uma pequena parte está hoje, de “novo”, a descoberto.


De tempos idos
os granitos do berço,
um dia esquecidos
de volta ao começo.

Do muro à muralha
da muralha ao muro,
memória nos valha:
há um muro passado
com o presente ao lado,
muralha que é futuro…

domingo, 16 de julho de 2017

O BICHO DA MADEIRA


Raque-raque, raque-raque,
já tinha ouvido o bicho,
vê-lo é que não,
muito menos em destaque
de natural pasticho
com focinho de cão
quase me dava um baque.

Cão de condição
e proveito
é cão de qualquer maneira.
Nesta versão,
por defeito,
desenhado na madeira
é ou não é cão?


sexta-feira, 14 de julho de 2017

COMO CANDEIAS


Deixamos nos outros um traço
de memória, um fio de voz,
e neles criamos um espaço,
que sendo alheio, somos nós.

Também dos outros temos
lembranças boas e más
e por mais voltas que demos,
é essa soma que nos faz.

O INCORRUPTÍVEL VOO DAS PEDRAS


O INCORRUPTÍVEL VOO DAS PEDRAS, À VENDA, EM CASTELO BRANCO, NO QUIOSQUE VIDAL

quarta-feira, 12 de julho de 2017

GATO


Faz-me festas, dá-me mimo,
não queiras que eu entristeça,
que eu quero ver se me animo
e levanto de vez a cabeça.

sábado, 8 de julho de 2017

UMA LUZ AO FUNDO DO TÚNEL


Pelo que se vê
e não p’lo que se deduz,
nunca ninguém crê
naquele sinal de luz.

Faz tudo parte da vida
e de luzes é o que mais há:
tudo é caminho à partida
e à chegada se verá.

Partida a pedra da fé
restam cacos, coisa pouca
e o que foi já não é
excepto os amargos de boca.

É metáfora, sei bem
mas para quem está aflito,
o que aquele túnel tem
é, no fundo, um manguito.


quinta-feira, 6 de julho de 2017

COMPLEXO

Foto do Blogue ARROZCATUM

D. Perpétua
disse, enferma,
que é efémera.
e eu, perplexo,
aceitei
a surpresa.
- Ora essa,
com certeza,
D. Perpétua,
quando lhe aprouver
faleça.

terça-feira, 4 de julho de 2017

CONSTIPAÇÃO


Não te exponhas tanto,
que te vais constipar.
Basta uma ponta d’ar
na espinha e te garanto,
é constipação certa
e uma porta aberta
para virares santo.

Evita o mau caminho,
não escolhas o atalho
e quanto ao agasalho,
tapa bem o corpinho,
que o tempo danado
quer ver-te constipado
- atchim! - Eu não disse? Santinho!

domingo, 2 de julho de 2017

O FARO DO CÃO


Para o cão não há bom ou mau cheiro
mas um apurado sentido do faro,
que tanto pode exalar de um boeiro,
com de frasco do Chanel mais caro.

Fareja alimento, o rasto de parceiro,
cus de outros cães e cadelas com cio
e passa a pente fino o mundo inteiro,
a eito, pela vida fora, de fio a pavio.

Tudo tem um cheiro para o cão
mas pode aqui dizer-se em seu abono,
que o bálsamo da sua predilecção
á o da pista que o leva até ao dono.