terça-feira, 30 de julho de 2013

TURISMO


Tocadas a vento
as mós de roldão
era o meu intento

era o meu intento

mas agora não
nem passa o vento
nem se mói o pão

nem se mói o pão

de moleiro ausente
é turismo é verão
já só moem gente

já só moem gente 

domingo, 28 de julho de 2013

MERIDIONAL


Agora por vê-la
verde esperança
parece uma tela

parece uma tela

uma eterna dança
enorme aguarela
que só de ver cansa

que só de ver cansa

e adentro dela
caminho em trança
como se eu fosse ela

como se eu fosse ela

sábado, 27 de julho de 2013

ESTRADA DO SOL


Ah se eu pudesse
percorrer  essa via
mas sempre anoitece

mas sempre anoitece

ah o que eu corria
com mágoa o confesse
era todo alegria

era todo alegria

mas o sol arrefece
na noite do dia
por mais que lhe desse

por mais que lhe desse

quinta-feira, 25 de julho de 2013

DÁDIVA (vestido de noite)


O poema derramado no papel
não é seda, cambraia ou cetim;
é para a poesia como a lã para o burel,
que o resto fica dentro de mim.

Por mais que o deseje, não posso
contrariar o essencial dilema
(Mas como não há carne sem osso,
não há poesia sem poema…)

terça-feira, 23 de julho de 2013

COINCIDÊNCIAS


Ás vezes um olhar fixo e persistente,
ainda que imaginado, pressentido,
obriga-nos a olhar em volta,  impertinente,
como se o afogo fizesse algum sentido.

Nada mais, além da impressão
dum muro sombreado de desatinos,
uma lua atrevida em translação
num céu vacante à procura de inquilinos...

domingo, 21 de julho de 2013

A LUZ



Onde o clarão, a luz, a chama?
Uma corrente de ar entre fissuras
urdiu a corrompida trama,
deixando-nos quedos e às escuras.

Ardamos nós, que é já tempo
e ao tempo que este tempo induz
a prender o enganoso vento
e que enfim volte de novo a luz!

quinta-feira, 18 de julho de 2013

ENDEREÇO




O mundo é grande; a minha casa não…
o mundo tem mil andares e assoalhadas
e eu, além das casas caiadas,
faço parte do mundo e moro num rés do chão.

Habito como os da minha condição:
algures, numa rua, bem lá no fundo,
em condomínio aberto, dito quarteirão.
Moro aqui perto: sou vizinho do mundo.




terça-feira, 16 de julho de 2013

POETAS DE PRAIA



Sobre as nuvens sabem os poetas dizer
mil coisas raras , excepto água evaporada,
decorando o sol enquanto não chover
e, depois da chuva, outra vez sol e nada.

Sobre as nuvens cantam bastas mesuras,
os poetas ociosos, para esta temporada:
baladas com lágrimas passadas e futuras,
contando estar a salvo da próxima trovoada.

Sob nuvens pardas e de outra condição
canta quem não é de modas ou, se em cantigas foi,
não é agora a quente, por ser verão
de sombras que não curam o sítio onde mais dói.

sábado, 13 de julho de 2013

RESISTIR



Inditoso povo às mãos do criminoso,
que de pátria pouco ou nada conheceu.
Dias houve de brandura e sol airoso,
mas sempre de crepuscular breu.

Ditadores, bastos foram todos eles;
tiranos, dementes, profetas e azougados,
gente que do cordeiro vestiu as peles
para assim matar e ocultar os seus pecados.

Baixar os braços? Não é o caso, não!
É levantar ambos, que ninguém é conformado
e dizer basta de mentira contra a razão,
erguer os braços, sim, de punho cerrado.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

OS OLHOS


Olhando, os olhos tocam
em tudo o que acontecer:
piscam, retinam, focam;
olhando só, não podem ver.

Se os olhos cerram janelas
em jeito de deixa andar
podem enxergar aguarelas,
isso não é ver, é olhar.

Mas se lambem as cores
das flores que vão nascer,
é porque os olhos são flores
e esse é um olhar de ver.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

FERREIRA DE CASTRO


               Para conhecer o mundo viajamos,
               tocamos pedra a pedra a calçada
               e para nos conhecermos, onde vamos,
               qual é o rio, o mar, a estrada?

               Assim fizeste com todos os sentidos,
               criando gestos e palavras quando a voz
               faltava ao próprio mundo, e já perdidos,
               contavas em viagem à volta de nós.

              Ainda mal chegado, já estavas de saída,
              e, por aí fora, um dia, um mês, um ano,
              até que a missão fosse concluída.

              E que nos deste desse teu labor insano,
              senão obra universal de amor à vida,
              palmo a palmo, um hino ao valor humano?

quarta-feira, 3 de julho de 2013

VIAGEM


Viajar não é sair daqui, abalar;
agitar o lenço a quem se deixa
com promessas de depois voltar
consolado e sem razões de queixa.

Vêm aquelas lágrimas da praxe,
com as mãos atiramos beijos,
havendo mesmo quem não ache
ser motivo para festejos.

Não, viajar é não estarmos sós
e, mais do que palmilhar o mundo,
é caminharmos dentro de nós
no sentido humano e mais profundo.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

CAMINHANTE


Um caminho e uma lua cheia
é esse o meu trilho predilecto,
sem descurar almoço e ceia,
uma cama macia e um tecto.

É privilégio, sei disso muito bem,
mas por que hei-de dar conselho,
preferindo manjedoura, em Belém,
e depois me desmentir no evangelho.

Quero um trilho e uma lua cheia,
quero-os para mim e meus iguais
que, fartos de más falas e tareia
andamos há tempo de mais!