domingo, 29 de novembro de 2020

SOBRE A IDIFERENÇA


Não queria escrever um poema pessimista

porque a meu ver há apenas poemas.

Às vezes os poemas são pessimistas, outras

são poemas que fingem a verdade do poeta

e são frágeis poemas de coisas alvas e sublimes.

As flores nascem com esforço, como os homens;

das pedras não tenho ainda notícia.

Se tudo é persistência e luta, se a vida é sacrifício e dor,

Por que razão a poesia haveria de ser diferente?

O que nada pode ser é indiferente.


 

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

INTERMITÊNCIA


O céu colou-se à terra;

veio com as chuvas de Outono

derramou neve na serra

deixou-nos ao abandono.

 

Alva terra deste tempo,

tão branca e tão desmaiada,

que o branco é fingimento

ou maldade de invernada.

 

Mas tudo é passageiro

no tempo e na opinião:

virá o tempo soalheiro

e quem se farte do Verão.


 

terça-feira, 24 de novembro de 2020

ESPLENDOR


Maçãs, as do rosto:

vermelhas, açucaradas;

beijos e fogo posto,

lentas madrugadas.

 

Seja o lírio irreverente,

lilás que seja

e mesmo assim transcendente

para que se veja.

 

E a luz, a luz seja clara

e que ao espreitar dentro dela,

não seja rara

mas esplendorosa e bela.


 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

PALAVRAS DISPARADAS


Vou carregar a pistola

com palavras já usadas,

bem sonoras, versadas,

aprendidas na escola.

 

São como balas reais:

fazem brecha no impacto

quando disparadas de facto

e vêm a ser mortais.

 

O primeiro tiro é à sorte,

que se não mata, intimida;

o segundo, certeiro, faz ferida

e se não matar é uma sorte.

 

Com tiros para o ar e demais

palavras sem sentido

pode alguém ser abatido

por danos colaterais.

 

Aqui chegado, fim de papo:

nem mais um tiro no pé,

nem frase de rodapé

e meto a pistola no saco!


 

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

NOITE, A RESISTÊNCIA


Os que inventaram esta noite sabiam o que ela é

fria, silenciosa e negra de ambos os lados.

Aos que a proclamaram noite, que o dia lhes seja leve;

um dia lhes seja noite sem explicação.

Os criadores do medo poderão então mentir em cima

das minhas convicções e dizer que choram as buganvílias,

que as papoilas não são essenciais: estão habituadas à contrariedade.

As restantes flores dormirão tranquilamente no meu colo

até o sol chegar.

Os inventores da noite nunca saberão que é desta forma que 

adormeço

e os maldigo, filhos dos infernos! 


 

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

FOGO-FÁTUO



A peste foi anterior ao fogo e o fumo

era um artifício, uma cortina de ilusão,

depois a cinza, o possível lume,

tudo como o previsto na criação.

 

Manipulado, contrafeito, o Sol luziu,

bailou no céu, alimentou esperanças

de pouca dura, disse quem viu

e recolheu, sisudo, ao ministério das finanças.