quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

CANTIGA


Não venhas hoje à janela
que não estou p’ra cantigas
e só por estar perto dela
me lembram coisas antigas.

Serenatas que então fazia,
a que achavas tanta graça,
hoje, se cantasse, só podia
quebrar-te toda a vidraça…

Não surjas ou ainda melhor:
manda mesmo emparedá-la;
talvez a cantiga de amor
se perceba melhor sem fala.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

DE VOLTA A CASA


Volto a casa, seja onde for
volto a casa e aí estou bem:
onde tudo sei de cor
e conheço como ninguém.

Volto a casa, sou da casa,
é aí que moro e me faço…
Capaz dum grito ou golpe d’asa,
mas ter um sítio, um espaço.

Volto a casa, volto sempre
mais ou menos magoado,
como quem volta ao ventre
do mundo de viver já cansado.

Volto a casa, volto a casa,
volto a casa, para me redimir.
E o golpe d’asa, e o golpe d’asa?
Ou morro preso ou volto a sair…

domingo, 26 de janeiro de 2014

(H)ORA ESSSA


Meia pedra, pedra é
e, pedra vai, pedra vem:
metade é como se vê
e a outra metade também…


sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

NÃO HÁ MAR DE FEIÇÃO

A todos os pescadores de Nazaré, Peniche e Caxinas, por tê-los acompanhado de perto e do peito.

Aquietou-se o mar, aquele a que chamam imenso,
para escutar a última conversa entre os pescadores,
sobre o aprumo das artes. O demais era silêncio.
Que tramam eles? – Presumiu o mar de maus humores.

Não se apresta e, olhando os homens, reage aos safanões
- ele, que por ser mar não tem ninguém que o dome,
clamando tempestades, ventos fortes, raios e trovões,
pois não sabe o que é família e muito menos o que é fome.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

CASTELOS NO AR


No tempo em que a neve e as nuvens eram de algodão,
assim nos parecia bem disfarçar a cândida natureza,
salpicando as árvores, os rústicos telhados e a ilusão,
de alegres e pueris alvuras, e tudo era elementar beleza.

Nesse tempo, se existiu esse tempo e nos foi comum,
havia príncipes e princesas a imitar os sonhos e a felicidade…
rasgões nos joelhos, lanhos na cabeça de cada um
e estes sim, trouxemo-los intactos para a moderna sociedade.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

PECADO CAPITAL



Mundo cão
traiçoeiro
corre no chão
para o bueiro.

Alfinete d’ama
bico afiado
faz-nos a cama
capital criado

Mundo cão
traiçoeiro
corre no chão
para o bueiro.

Pede por favor
do pão um bocado
por deus por amor
capital armado

Mundo cão
traiçoeiro
corre no chão
para o bueiro.

E a seguir mata
o emboscado
o psicopata
capital acumulado

Mundo cão
traiçoeiro
corre no chão
para o bueiro.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

SENHORA MENINA



Senhora menina nossa,
minha nossa senhora,
nossa menina senhora,
senhora nossa menina.


Menina nossa senhora.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

ESCADAS


Por vezes não é o que se vê,
(se acaso podemos ter escolha…)
tampouco ver o que não é;
mas o modo como se olha.

Assim, uma escada é uma escada,
e quem sobe e desce nela?
Se alguém a trilha cansada
ou se se fartou de janela…

Quem olha vê a escadaria
só, de triste olhar, desamparada…
E de que outro modo seria,
não sendo sempre pisada?

domingo, 12 de janeiro de 2014

LIVROS


Palavras brilhantes umas, outras feitas com a frase,
figuras de estilo, eloquentes, originais do narrador.
Mortas, a maioria, salivadas ou consumidas, quase
não se dá por elas, mas esse não é o mal maior.

Pior é se já morreram na mente de quem as leu;
se generosamente se consumiram sem proveito…
Ai dos livros mortos, expostos nas vitrinas do museu!
Já de nada servem; urnas de palavras sem efeito.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

SONHO


Quando à noite sonho que o sol se deita a meu lado
fico imóvel para não acordar a minha fantasia.
Levanto-me depois e o sol já lá não está:
Remanesce, guardado na manhã de todos, lá bem no alto,
onde ninguém se atreve a roubar-mo,
não vá eu ficar sem sonhos e dormir às escuras.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

AMOR SUSPICAZ



Não sei se é amor, se é feitiço,
se há em frasco mais pequeno;
não sei se é raiva, o que é isso:
se é insolação ou veneno.

Apenas sei que dói por dentro,
em lágrimas que sei de cor
e atraiçoa como o aloendro,
que beija e mata por amor.

E que sei eu do amor, se de mim
nada aprendi? Disso me lamento:
uma seara de cardos, coisa assim,
magoada vida de alegre sofrimento.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

EM MEMÓRIA DE AMÍLCAR CABRAL




Amilcar Cabral 1924-1973. Poema a propósito do segundo aniversário do seu assassinato

Uma lágrima bailou na pálpebra
vermelha
um rosto indefinido.

(Um minuto de silêncio
em memória de Amilcar Cabral)

Num caudal de braços erguidos
floresce o desejo de ser livre:
é o povo que se levanta!

Em uníssono
rompe o canto
e a luta,
canto negro,
africano.
- Alegria de voltar
à pátria renascida.

Já a lágrima rolara na face
e sumira por entre a terra ávida
quando evoluiu o batuque:
tan tan
povo, alegria!
tan tan
mãe África sorri!
tan tan
nasce de novo!
tan tan
Liberdade!

Quem disse que no pó da madrugada
corria sangue?
Quem disse que o tempo parou?
Quem disse que morreu um militante?
Ele está vivo.
És tu!



segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

ANUNCIAÇÃO DA VIDA


Pelo 50º aniversário da morte de Lenine
22/4/1870-21/1/1924


Hoje, provavelmente noite,
estamos a 21 de Janeiro.
Aqui não cabem as balas
nem a enfática glândula morta.

Hoje estamos a vinte e um de Janeiro,
continuamos firmes,
indissoluvelmente unidos,
não tememos a luta
nem o dia:
nós amamos a vida.

Hoje estamos a vinte e um de Janeiro
por isso te saúdo, camarada.


sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
























Lenine e Amilcar Cabral morreram no mês de Janeiro. O primeiro a 21 de 1924 e o segundo (assassinado às ordens do fascismo português) a 20 de 1973. Às voltas com os meus papéis descobri que os evoquei em poema. No caso de Vladimir Ilich Ulianov, por ocasião do quinquagésimo aniversário da sua morte, e do segundo aniversário do assassinato de Amilcar Lopes Cabral.

Não tenho por costume assinalar efemérides (de nascimento e muito menos de morte) mas nestes dois casos, posto que ficam datados, irei dar conta dos dois poemas, décadas depois da sua concepção, somente para que não fiquem na “gaveta”, tanto mais que como será bom de ver não terei em conta as datas acima.

RESISTIR


Inditoso povo às mãos do criminoso,
que de pátria pouco ou nada conheceu.
Dias houve de brandura e sol airoso,
os demais, de crepuscular breu.

Ditadores, bastos foram todos eles;
tiranos, dementes, profetas e azougados,
gente que do cordeiro vestiu as peles
para assim matar e ocultar os seus pecados.

Baixar os braços? Não é o caso, não!
É levantar ambos, que ninguém é conformado
e dizer basta de mentira contra a razão,
erguer os braços, sim, de punho cerrado.