terça-feira, 30 de junho de 2009

LUIS SILVEIRA/AUTO-RETRATO



No desdém da tela onde aparece
caricatural no traço e na vontade
de omitir o que afinal esclarece
na feição austera da realidade.

Eis como ele se nos oferece
ou esconde para a eternidade:
linear, pálido, como se quisesse
mentir de si toda a verdade.

Há ainda o breu donde provem
o fulgor alado da trama inocente
que a tudo cede e deixa. Porém,

esse, que é místico e se consente;
fere de morte e arrasa com desdém
o que tem por sorte e mais conveniente.

quarta-feira, 24 de junho de 2009



BREVE BIOGRAFIA


Há muitos anos que faço, por gosto e dedicação, e sempre que convidado para tal, actividades de animação com crianças do Ensino Básico e Secundário, designadamente, acções de dramatização de histórias e lendas, promoção da leitura, leitura de poemas próprios e de outros autores, e também saraus, colóquios e tertúlias para outros públicos.


Para além da ilustração avançada nesta minha apresentação, posso dar conta de que tenho, desde 1972, oito títulos de poesia e um de ficção editados, colaborações dispersas em jornais e revistas, como é o caso, actualmente e desde há onze anos, no Ensino Magazine.


É assim meu propósito colocar-me à disposição para eventos que entidades interessadas queiram levar a cabo, nos quais se enquadrem actividades como as que atrás refiro, sendo a divulgação respectiva por conta de quem as promova.


O valor de cada sessão (cerca de uma hora) será de setenta e cinco euros, mais despesas de alimentação e transporte.


Contacto:


 


terça-feira, 23 de junho de 2009

TRÊS GLOBOS



Globos ou punhos (de renda) partindo
os vidros da noite?
globos ou cravos brancos ensaiando o lume
quando desvanece o dia?
globos ou olhos de um olhar pálido e labiríntico?
- rosa dos ventos escorrendo anti rosas e anti ventos
outubros verde rubro
amieiros dormindo

itinerários cativos
velando o cio de cães e gatos
sem migração aparente

segunda-feira, 22 de junho de 2009

O MONTINHO



Um pássaro de vidro canta
a melodia que pode encantar
outro pássaro de vidro

um pássaro tem as penas que tem
suspensas umas outras por cumprir
as penas que um pássaro tem

um pássaro não sabe que o cipreste
cresce em pose oficial
de diligências à porta da gaiola

um pássaro canta por falar
e não sabe por que levo ao arraial
um flor vermelha com as ancas descompostas

um pássaro de vidro
ou uma rosa de plástico

domingo, 21 de junho de 2009

CANSADO (S. JOSÉ OPERÁRIO)

Pelo cansado se vai à romaria
da senhora de mércoles e de regresso
traz-me o torrão que eu tanto queria

e na alameda triste como antes
de dois sentidos no bom sentido
e tão mal sentidos nos restantes

insólito o seu ar magoado
mortiço d'alma o dia inteiro
morto noite dentro o bairro do cansado

só gramaticalmente vivo:
cansado aqui
é substantivo

sábado, 20 de junho de 2009

SENHORA DA PIEDADE



Senhora da piedade calça as alpercatas

que hoje é dia de mercado das batatas


senhora da piedade salta para a estrada

não queiras na capela estar sempre fechada


senhora da piedade não se ouve o tropel

dos jovens que enchiam o velho quartel


senhora da piedade olha o menino afoito

que caminhando diz duas vezes quatro oito


de ti só tenho uma curiosidade:

por que é que te chamam senhora da piedade?

sexta-feira, 19 de junho de 2009

RUA DE SANTA MARIA



A rua de santa maria cheira a hortelã
ao meio dia a mesas postas esperando
e a suor autêntico ao fim da tarde

mas não sabe nada das suas irmãs ruas

rua dos chões
onde vivia o presépio

rua dos lagares
há sempre um par de calças por lavar

rua das cabeças
e preferida pelos pardais e pelos putos
- e que bem vão ambos de calções

rua do poço das covas
quem passa ilude-se subindo
há-de descer alheio na hora certa

rua dos passarinhos
sempre tão limpa e vazia
que segredos guarda?

rua dos cavaleiros
é possível o trote com tal inclinação?

hoje não se ouve o pregão dos agriões
nem do carvão de braseira
ela apenas saúda os nossos passos apressados
com as suas correntes de ar e as suas lágrimas
ao canto das janelas

quinta-feira, 18 de junho de 2009

LARGO DE S. MARCOS



Não cristaliza o verso se não disser:
em s. marcos ganhei o meu primeiro par de asas
e a minha mãe trepou às nuvens
com os seus pulsos brancos de defunta

soube então pelos animais como se prende a vida
a um fio de água
a mesma água de alma verde do chafariz

ah meu alpendre de granito quanta pena tenho
de te ter ultrapassado já mil vezes
(a minha avó dizia: vai só até ali
para a estrada não)
minha sala de visitas
cadeirão dos mais amigos

anda vem comigo meu s. marcos
deixa de fingir encruzilhada
temos água apenas água de saudade
memória de água e musgo
e o mundo a começar ali à esquina:

a esperança volta pontualmente
com as primeiras chuvas

quarta-feira, 17 de junho de 2009

O RELÓGIO




As andorinhas bordam sons
em pautas de improviso
nos fios da electricidade
- são as horas de música

o gigante emergido do casario
é como um velho farol
de largas sobrancelhas
- são as horas de fogo

às vezes são as horas necessárias
que procuro outras
já não valia a pena
- são as horas repetidas

afinal não passou dum susto
hoje é sábado e
exactamente treze horas
- são as horas de sobressalto

terça-feira, 16 de junho de 2009

PARA UMA MARCHA DA PRAÇA VELHA



Por aqui passa a gente
aos paços de antigamente:
passam cavaleiros peões
ao trabalho nas procissões
e com a gente a passar
passa o tempo sobre a praça
ai já não temos vagar
p’ra lhe achar a mesma graça

ref. s. pedro tem as chaves
da rua de santa maria
e o povo tu bem sabes
as chaves da freguesia

menino da rua nova
vai fazer a tua prova
vem p’lo arco de regresso
trocas as voltas do avesso
menino enquanto demoras
na praça em cada quelha
o relógio bate as horas
que fazem a praça velha

ref. s. pedro tem as chaves
da rua de santa maria
e o povo tu bem sabes
as chaves da freguesia

segunda-feira, 15 de junho de 2009

(EN)CANTOS DE CASTELO BRANCO

Todavia, é bem possível que tenha feito já alguns versos de ouro…
(vaidades minhas) quando escrevi sobre a minha Castelo Branco.
Em Outubro de 1991 editei uma plaquete com nove poemas sobre
a cidade onde nasci.
Sob o título (Em)cantos de Castelo Branco, composto e impresso
na Tipografia Semedo, com o patrocínio da Câmara Municipal e o
empenho, fundamental, do Dr. Ernesto Pinto Lobo
-falecido em 21 de Abril de 2000- meu professor e amigo, a quem
quero prestar de novo justa homenagem.

As fotos que ilustram os textos anunciados foram recolhidas dos
seguintes endereços:
http://castelobrancocidade.blogspot.com/
www.cm-castelobranco.pt/
Acresce ainda o facto da capa ser da autoria de Rui Monteiro e que
lá não consta, por lapso meu.
Prefaciavam esta plaquete dois versos de Eugénio de Andrade:
Nas águas rumorosas da memória
Contigo acabo agora de nascer.

O PASSEIO

Quando vem Julho e Agosto e te vejo abertas as janelas
e nos peitoris tanta gente a sussurrar os desencantos
é que me lembram as flores o cheiro da água
e que trazes um terraço no lugar do coração

Quando os nossos filhos embalam as bicicletas à beira-mãe
(- o menino já anda só em duas rodas…)
ou descobrem bichos amigos nos canteiros
é que me lembra o tempo que fez o que faz
o que se deus quiser há-de fazer
e que trazes um terraço no lugar do coração

Quando as palavras dormem nos lábios dos velhos
e se repetem e se repetem
é que me lembro que afinal ainda me demoro ao sabor do corpo
e que trazes um terraço no lugar do coração


quinta-feira, 11 de junho de 2009

PRECIOSA POESIA

...Em pose junto à relojoaria do meu avô Sousa, já lá vão uns anos...


Nunca escrevi um único poema de ouro:
seria de uma grande responsabilidade
guardar em versos um tal tesouro
sem préstimo e sem qualquer utilidade.

Em filigrana, burilada, dúctil e macia;
mágica ou alquimista – longe vá o agouro…
Ai, pobres versos da minha poesia;
nunca escrevi um único poema de ouro.


(inédito)

terça-feira, 9 de junho de 2009

DOS LÁBIOS

ivan-particles.spaces.live.com/

Lábios de mim
para os teus vão
às vezes sim
às vezes não

lábios são ensejo
para coisa pouca
às vezes um beijo
ou amargos de boca

os lábios menina
são como são
às vezes rima
às vezes não


("Alegria Incompleta" Vega 1988)

segunda-feira, 8 de junho de 2009

COMO PÉTALAS DA MESMA FLOR

http://umvazio.blogspot.com/2007/12/umno-outro.html


Que direi do amor sem corar?
A ardência do rosmaninho?
O cheiro de cravos e rosas?
Ou simplesmente o veludo das coxas fermentes,
suplicando o toque,
os lábios vermelhos ciciando o cio,
como pétalas da mesma flor?
Que direi do amor agora
se o próprio amor de si vai descobrindo?

("Prova de Vida" - inédito)

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Gene Kelly - Singin'in The Rain

Quero que as nuvens sintam inveja por continuar a amar-te,
apesar da chuva.


(Prova de Vida - inédito)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

O AMOR É SIMPLES

Les Amoureux - Pablo Picasso

Muitas vazes o amor é simples
– apenas um pouco dolente e magoado – mas simples.
Foi o que encontrei nas primeiras estrofes
dactilografadas na velha Underwood e,
não fosse o reconhecimento imediato de alguns dos caracteres,
diria não serem meus aqueles cantos.
Mas não tenho dúvidas agora.
Depois de ver Garcia Lorca dançar sobre os versos,
Daniel Filipe suster a respiração, mas não o amor,
Pablo Neruda caminhar nu sobre os poemas
e o Paul Éluard, e o Nicolas Guillén,
e o José Gomes Ferreira,
e o Aragon, e o José Ferreira Monte,
suando cada palavra escrita,
chorei compulsivamente sobre os meus erros de ortografia
e beijei o teu retrato mais recente.

("Prova de Vida"- inédito)

quarta-feira, 3 de junho de 2009

OUTRO NOME PARA O AMOR

Monumento a Isadora Duncan/Edson Tobinaga


Vai-lhe tão bem
o lenço no regaço
ou será que ela vem
nas ondas que eu faço?

A modos que voa
são seus seios asas
ou sou eu que à toa
plano sobre as casas?

Leva-a consigo o vento
com carícias e pressa
ou sou eu que a invento
para meter conversa?

("Alegria Incompleta" - Vega 1988)

terça-feira, 2 de junho de 2009

DO AMOR

Algures na net


Deslizo
enquanto duro,
água, êmbolo por instantes.
Hoje estive um pouco mais dentro de ti.

Doceamargo fruto (e tão fundo cala)
que já não sei se subo à árvore
ou se é a árvore que me escala.


("Alegria Incompleta" - Vega 1988)

segunda-feira, 1 de junho de 2009

MEMÓRIA DE ELEFANTES



Meus seis elefantes perfilados, peregrinos
da arte natural de Cesário Verde,
rememoram literatura, e esta não perde
“os meus alexandrinos”

São de inox ou de liga metálica afim,
coisa que pouco interessa para o efeito:
o que realmente conta, é que dão jeito
à poesia e a mim.

Procuro assim seguir o trilho a preceito;
não perco raciocínio nem o fio à meada:
levo de vencida os versos de empreitada,
e vou a eito

Se nisto há gato ou subtil metáfora, dir-me-ão:
-por que não vai ele directo ao caso?!
E eu respondo de vez, já não vos maço:
Eis a explicação:

Os animais são um alfinete de memórias;
marcam cada página, marcam esperas.
Não há por isso razão para quimeras:
não inventem histórias…

(inédito)