domingo, 28 de fevereiro de 2016

SER LEAL


Ser leal; a lealdade, que tem para ser aqui chamada?
Nada. Apenas um princípio, um modo próprio de ser,
que tanto pode ser congénita como ensinada
ou, por ser mais natural, simplesmente acontecer.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

GOTA DE ÁGUA


Que queremos nós com a azáfama, o corre-corre?
viver será, viver com os outros os dias por inteiro
e quem corre assim vive sempre e nunca morre,
porque vivendo todo o tempo se diz chegar primeiro.

Quem somos? Quem nos deu capacidade de sonhar?
Quem, numa gota de água apenas, o mundo nos apregoa?
O que queremos? Quase nada: um sopro para respirar
e um par de asas elementar que nos implore: voa, voa!

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

NÃO HÁ MAR DE FEIÇÃO


Aquietou-se o mar, aquele a que chamam imenso,
para escutar a última conversa entre os pescadores,
sobre o aprumo das artes. O demais era silêncio.
Que tramam eles? – Presumiu o mar de maus humores.

Não se apresta e, olhando os homens, reage aos safanões
- ele, que por ser mar não tem ninguém que o dome,
clamando tempestades, ventos fortes, raios e trovões,
pois não sabe o que é família e muito menos o que é fome.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

NAVEGAR


Uma onda que nos cega?
Mais faltava que tapasse
quem no alto mar navega!
O que não vê, não cega
e se quem vê, não avista
não deve perder de vista
a onda de cada refrega.

O sonho que ali se esconde
ao ritmo da preia-mar
pode avistar-se até onde
em terra alguém que responde
-Ó do mar, ó do mar!
Não te deixes naufragar,
não te deixes ir na onda.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

UMA MÃO CHEIA DE TERRA


Uma mão cheia de terra
é todo o mundo e é nada;
uma semente que espera
na mão de terra encerrada.

Tem a ciência concisa
e até a luta de classes
e a proporção precisa
de ácidos, de sais e bases.

Tem até um sol aceso
num universo de estrelas.
Tem volume, forma e peso
sem contar com bagatelas.

E nada mais tem, tendo tudo,
que para tal não falta tema,
tendo a terra e, contudo,
não mais que este poema.

Eis a verdade que encerra
este universo, em suma,
uma mão cheia de terra
é tudo e coisa nenhuma.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

BEIJO Á CHUVA



Que importa a chuva copiosa, se vale um beijo,
que importa se fecho os olhos, se mesmo assim te vejo?

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

COMO CÃO


Meu bom amigo,
do fundo do coração,
quando estás comigo
nem eu sou eu nem tu és cão.

Eu sou um mendigo
da tua condição,
que só por estar contigo
me alegra o coração.

Irmãos e, além do mais,
em providencial comunhão,
sendo nós tão iguais
somos, eu e tu, o mesmo cão.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

SONS DA FLORESTA


Oiço sempre uma música de sons sobrepostos
no arvoredo, uma nova cantata a cada dia.
Uma orquestra em permanente afinação dos instrumentos
e o contrário seria muito estranho; preferia o silêncio,
nunca o som que revolteia as raízes
e brota à flor da terra sob a forma de cogumelos
de falso vermelho sedutor.
Mas não são as árvores que cantam, não são as aves
que chamam, clamam, gritam, vivificam…
o que trauteia de improviso e me inunda de música
os compassos do peito, as pautas da imaginação,
é a vida ainda ali poisada nos ramos que verdejam.  

domingo, 7 de fevereiro de 2016

CONTRABAIXO


Não há nada mais tocante
- tocante, sim, nos dois sentidos! –
que o som, pizzicato , dum contrabaixo.
O suspiro percutido nos bordões
enche de sumaúma o peito, 
e a alma flui como névoa densa e branca.

Aqui jazz  e vou andando
como um pássaro de fogo.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

O CAMINHO DAS BÉTULAS


Volto à terra, aberta e húmida, senda
ancestral  das bétulas naturais , que o vento
sacoleja em jeito de ternura e saudação.
Agitam-se agora, parece-me que sorriem
como  as rosas prematuras dos quintais.
O céu veste-se de nuvens, nimbos agitados,
e o meu olhar aceita a deriva daquela mutação.
Vem lá chuva – penso – para de novo inundar
a terra e o meu inconsequente desprazer.
Às vezes, o trilho assemelha-se a um rio de lama
mas, sem perder o norte, orienta-me os passos
e a pressa de tocar a flor das bétulas,
que por certo me saúdam ao longo do caminho.
Resta-me a esperança de que tudo isto seja real
e de que haja flores, mesmo de chumbo,
em cada atalho ou vereda por onde passe.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

TRANSPARÊNCIAS


A transparência é um dom
dos anjos adormecidos;
cantam sem qualquer som
e são música para os ouvidos.

O ser é tudo quanto existe
e além de si, ao seu redor:
o tacto, o cheiro e tudo o que lhe assiste
na luz e na limpidez da cor.

E de todos os anjos que já vi,
o que melhor os interpreta
é um par de asas de organdi,
que adornam a borboleta.