quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

PARÁBOLA (Do ano sem graça de 2011)


O cego tinha sede e bebeu da fonte.
Depois, por enxergar o sol, chorou
ao vê-lo despontar no horizonte
e ao negrume não mais se acomodou.


O surdo, para quem o leito cristalino
de água pura era somente um rio,
ali matou a sede e chorou como menino
quando ouviu da torrente o assobio.


O mentiroso, aos sorvos, tentou
saber também o que era aquilo
sem sede, não soube o que provou
e chorou lágrimas de crocodilo.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

DE CASTELO BRANCO, CONFESSO


Não sei que razões teria em 1997/98 (não recordo exactamente é o que quero dizer) para escrever este texto tão patético e assonante:


Há por aí pedaços de sol e de mim virados do avesso
alfinetes d’ama outros nem tanto a baixo preço
alguns a mais e mais ainda no começo


e há vinho que é bom e eu não conheço
azeite do mais fino e também espesso
bofetadas que são bem dadas e beijos sem endereço


há sonos em que apenas finjo que adormeço
temperaturas em que ora aqueço
ora arrefeço
muito banho-maria confesso
e há causas de que nunca mais se abre processo


há estátuas de pedra de bronze e de gesso
mil caminhos alguns vales e um cabeço
há por aí pedaços de sol e de mim virados do avesso
e se não há polícia a esta esquina é porque o não mereço

domingo, 25 de dezembro de 2011

NEM TAL SERIA


Há décadas que trago a vida
presa por um fio de sisal.
Chega esta trégua definida
e abranda, indulgente, é natal.


Custa que se farta o carrêgo
desta vida a andar para trás,
que me obriga ao desassossego;
da notável afoiteza de paz.


Pronto, vou deixar que não espante;
isto do natal passa num instante…

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

LASTRO ANCESTRAL


Quero lá saber se é nascente
ou foz a água em que me afogo:
quero é uma boia onde me assente
e deixe a dúvida para mais logo.


Se para ir ao fundo é bastante
não ter arte ou erudição de peixe,
ficarei onde já não me levante,
o corpo teime ou não me deixe.


Ou não, que o fundo não é morte,
é antes uma espécie de colchão
onde a alma, com alguma sorte,
sobe, vai à tona e dá-me a mão.


Morrer será assim o que consiste
em ir ao fundo e vir depois acima;
um raro carrocel em que subsiste
em vida, carregar a morte em cima.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

EM JEITO DE COMO FOI




Ontem foi uma tarde/noite muito calorosa e simpática na apresentação de Súbita Floresta.
Obrigado, Amigos!
Obrigado, João!

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

LANÇAMENTO/APRESENTAÇÃO DE SÚBITA FLORESTA

No próximo dia 21 (quarta-feira) às 18 horas, na Biblioteca Municipal de Castelo Branco, terá lugar o lançamento de SÚBITA FLORESTA, Enquanto durar a Eternidade.

O livro é editado pela RVJ, Editores e será apresentado por Carlos Semedo.

Aqui deixo o convite para todos os que me quiserem honrar com a sua presença.


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

RIO DE MIM


É uma ponte, de ponta a ponta, digamos assim,
que em verdade não obriga a coisa alguma:
metáfora para dizer o que não quero de mim,
e acenar do outro lado: adeus! Em suma,
é como passar de cá para lá sem ter passado,
que para o efeito é não ter feito coisa nenhuma,
ficando aqui inteiro a pensar no outro lado.


Mas se não passar; se não tiver atrevimento,
então terei deixado a imaginação à solta
e sem pressas ou demandas doutro elemento,
com vagar irei até lá ao fundo e dou a volta.
Pode ser que o forçoso rio, de ponta a ponta,
se assoreie e leve o que não faz cá falta
e eu, por fim, não tenha que fazer de conta.

domingo, 11 de dezembro de 2011

REDACÇÃO (A PROFESSORA)


A minha professora
dá-me o mundo inteiro
em números e letras
em troca dos meus sorrisos
e desenhos de borboletas.


A minha professora
tem cabelos compridos
como uma princesa
e os olhos refulgentes
como a natureza.


A minha professora
é linda e eu gosto dela
e ela de mim
não tenho mais palavras
gosto dela porque sim.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

SILÊNCIO


No dizer das aves é que as palavras voam;
No dizer do sol é que as palavras ardem;
No dizer da água é que as palavras choram;
No dizer das árvores é que as palavras florescem.


No dizer todas as palavras morrem.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

A CASA


Não mora quem morou antes,
antes mora quem não morou:
mora a memória que dantes
não se lembrava e mudou.


Mudou para outro lugar
longe ou ao pé da porta.
Mas se a memória mudar,
quem mudou não se recorda.


Recorda que em tempo viveu
longe ou ao pé da porta,
onde o tempo ao tempo deu
e a lembrança não importa.


Agora a casa está morta.

domingo, 4 de dezembro de 2011

PROPRIEDADES DA ÁGUA

A água torna puras as almas
e pedras grandes em pedrinhas,
por isso vê se te acalmas
no rio onde chapinhas.


Teus alvoroços e velas
não te auguram boas medras:
só se, esconso, o diabo ao tecê-las,
te benzer com água das pedras.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

(POR UM MILAGRE)


Desisti por isso da inconsequente empreitada
e assentei em coisas mais terrenas e reais:
onde até a transcendente vida airada
faz tempo que é mendiga ou pouco mais.


Porque é disso que os aduladores da esmola
esperam deste povo, eterno sacristão:
espinha dobrada a quem mata e esfola,
mas ai dele se não aspergido, estirado no caixão.


Não passa o camelo a agulha pelo fundo;
levamos nós um par de asas e passaporte,
banidos de contentamento deste mundo,
alcançando enfim o milagre depois da morte.