domingo, 31 de agosto de 2014

FLORES DE PAPEL

Campo Maior

Não é o papel o celebrado,
é de flores que aqui se cura;
exultam como o céu estrelado,
lavando as ruas d’amargura…

Matizam o chão e o olhar
de cores vivas só de as ver,
que dá vontade de chorar
por contento de viver.

As mãos que lhes deram vida
são mãos delicadas de fada,
que em cada folha esculpida
nos dão sol e vida airada…

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

LILÁS


Que flor é esta, assim-assim,
com o nome da coloração?
Os lilases deste jardim,
cores ou flores, o que são?

Neste enigma aparente
entre o ser e o que assemelha,
as dúvidas ficam p’ra gente
e todo o mel para a abelha…

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

NAU DE AGORA


(Glosa da conhecida cantiga de amigo do rei Diniz)

Já vai longe, longe, a caravela
e  o sol a bordo dela.
Ai Povo, e u é?

Flutua airosa como só ela
de vela panda, lá vai ela, lá vai ela.
Ai Povo, e u é?

A bombordo não há ninguém,
não sei se vai, se vem.
Ai Povo, e u é?

E quem vem nela, quem nela vem:
traições, arbítrios, zés-ninguém…
Ai Povo, e u é?

Águas mortas, mortas ao abandono,
até as areias têm dono.
Ai Povo, e u é?

Mais já não posso, mais já não digo,
não me vá pela sorte o castigo.
Ai Povo, e u é?

De tanto mar, de crenças mil,
serão trovas ou lembranças de Abril?
Ai Povo, e u é?

Ai Povo, e u é?

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

DEDAL-DE-DAMA


Caminhava por entre quintais,
num ladrar de cães ao desafio,
onde estas assentavam arraiais,
em cachos de amarelo e desvario…

Era dos dois seres evidente 
o desejo de me ocuparem os sentidos:
os cães, pelo som impertinente
e as flores pelos modos atrevidos.

Os animais, porém, buscaram poiso
e eu, a sós, corado, auscultei a rama:
- demorais muito, ainda, no baloiço?
E não me respondeu, o dedal-de-dama…

sábado, 23 de agosto de 2014

NO MEU JARDIM


No jardim que em meu corpo vou regando,
as flores quase nem dão por mim:
umas que em vez de regar estou chorando
e as outras estão ocultas no jardim.

Os pássaros tagarelam, dão ao bico
empoleirados em ramagens  de livre escolha;
ao entardecer debandam e só eu fico,
 e fecho os olhos como estaca que não dá folha.

Conto com o dia e o sol amanhã cedo,
alvo, de véus doirados e vestes a rigor,
que há-de  iluminar os canteiros e o arvoredo
e beijar-me pétala a pétala cada flor.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

JARRO


Jarro, que escolha tão severa
tem a flor airosa e original…
Alva, altiva e não austera
como cálice de carne sensual.

Só pode ser por crueldade:
para vaso basta onde é criado.
Jarro não, antes majestade
das flores, príncipe encantado.

E se a noiva aceita o seu alvor
e o leva junto ao peito ao altar,
então, a nobreza desta flor
mais se alteia, mais nos pode dar…

terça-feira, 19 de agosto de 2014

DESCOBRIMENTO


Ancorada a caravela, que mais posso
se não amarrar com ela, junto ao cais
e pedir, de proa ao vento, um osso,
uma sopa aguada e pouco mais?

Já tudo está à vista; a limpo e descoberto:
dúvidas e sombras dantes cultivadas,
hoje são pobres ilhas ou desertos,
sem gente, almas ou outros predicados,

que não seja luto, fealdade e desamor;
consentimento de fé, gente profana,
dependendo apenas do letal valor,
seja planta, bicho, mineral ou raça humana.

Pela verdade, voltando ao ponto de partida,
desenhado no cais, parede da memória,
que posso ser, quem me dá o silvo de partida,
onde acabo eu e começa a história?

domingo, 17 de agosto de 2014

ROSMANINHO



Rosmaninho, companheiro
de tristezas e alegrias,
dá-me a mão, mas primeiro
vem comigo à romaria.

Teu cheiro é a matriz,
como se fosse uma senha:
quando te levo ao nariz,
lembra-me a campina d’Idanha.

És, no fundo, o caminho
que me conduz mais além,
na esperança de ver, rosmaninho,
em Idanha a minha mãe.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

PERGUNTA QUASE ECOLÓGICA


Da árvore que saudável cresceu
- sóbria e imponente – se diz
bendita por tocar o céu;
e da outra, rude, agarrada à vida,
sem se dar por vencida
fundeia em silêncio a raiz?

terça-feira, 12 de agosto de 2014

LUA PANDA


Vela a lua;
lua à vela
e a barca nua…
lá vai ela.

E o barqueiro,
o que demanda:
peixe, nevoeiro
ou vela panda?

Sem vento ou brisa,
a lua panda
deixa a barca indecisa:
faz que anda mas não anda.

domingo, 10 de agosto de 2014

SONHO DE MIM


Vivo de sonhos e espuma,
e de planos que nunca traço.
Ao todo é coisa nenhuma,
habitando o mesmo espaço.

E enquanto sonho que vivo
neste imaginário compasso
vou coabitando comigo
à distância de um abraço.

Insisto – se é que insisto,
vestígios de mim ou cansaço –
em ser, nunca desisto
do sonho de que me faço.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

FLOR DA AMEIXEIRA


De original não tem nada:
nívea de pétalas e de feição,
de cinco folhas asada,
quantos os dedos da mão.

Par de tanta flor afim,
podia seduzir com o odor,
mas nem mesmo assim:
não tem cheiro esta flor.

Então, o que enfim cativa,
que impressão nos deixa?
Tão-só na boca a saliva,
que lembra o mel da ameixa…

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

A MORTE SEGUNDO O VERSO


Morri ontem à tardinha
de cansaço e desespero
e, permitam-me o exagero,
foi tudo ideia minha.

Desliguei nervos e veias
e válvulas do coração.
Hoje provo que a ressurreição
existe nas almas ateias.

Não posso provar que morri,
nem as maleitas fatais
que matam menos ou mais,
só garanto que renasci.

Chamemos-lhe reciclagem:
é mais terreno e conciso
e basta não ter juízo
para voltar à viagem.

Por um verso desgraçado
e as voltas que me fez dar
vi-me morto, a estrebuchar,
com ele no cérebro encalhado. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

CONSOLAÇÃO


Não lembro nada do que ia dizer
por culpa do malvado computador.
Às vezes liga, outras, não me deixa dizer
onde me dói ou deixou de doer.

Que seja assim, quero lá saber do que lhe dói…
nem o que me apoquenta eu sei;
se ele é meu mestre, meu herói
ou eu que escrevo além, fora da lei.

A par disto queria dizer alguma coisa:
não me sinto bem; coisa pouca
mas, apesar de tudo, mais coisa, menos loisa,
tudo não passa de amargos de boca.

sábado, 2 de agosto de 2014

FLOR DA CEREJEIRA


Ai cerejas, cerejas, cerejas!
A carne e o açúcar ao mesmo tempo,
se te digo é para que vejas
quanto é o meu contentamento.

São versos simples mas sentidos,
aqueles a que as cerejas me dão azo;
são brincos de versos, assumidos,
doces de sabor a longo prazo.

Que mais inspiração preciso,
Se não o lábio que me beija;
o mel, em poema conciso,
tal qual o gosto da cereja…