quarta-feira, 29 de setembro de 2021

QUANDO EU MORRER



Quando eu morrer

saberei tudo o que ficou para trás

e de nada farei queixas.

Batam palmas, sorriam e finjam que são eternos.

Eu já não terei essa prorrogativa.

Quando eu morrer

esqueçam o bastante para que a minha morte

não vos seja perturbadora, porque se o for

será a vossa consciência; a minha estará tranquila.

Comam, bebam e dancem: a vida estará do vosso lado

e se isso vos der prazer, a mim não fará diferença.

Pelo que tenho ouvido, ninguém me irá dar conta

se é alegria ou tristeza o que vos vai na alma.

Quando eu morrer

não pensem muito no assunto:

“mal de quem vai e mal de quem cá fica”

- isto não vai ajudar em nada…

Mantenham a esperança de que tudo vai melhorar.

Mas lutem por isso, é essencial!

Quando eu morrer

não acharão qualquer diferença no que vos é dado para viver:

os ursos polares continuarão a ter focas para a sua dieta

e o vosso talher permanecerá no lugar habitual;

a lua dará as mesmas voltas, apesar do cansaço evidente,

e ser-vos-á permitido fotografar a lua cheia como sempre.

Quando eu morrer

será tudo igual ao que hoje achamos diferente de um dia para o outro.

 

 

 

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

DIVINOS ENLEIOS


Ah, que sorte: hoje há deuses lá em cima

sedentos de versos, dormentes de sono!

Vou fazer-lhes pontaria com rima

e acertar-lhes em cheio no buraco do ozono.

 

Podia ser em lugar alabastrino, como a testa,

mas é pecado, além da enviesada geografia:

não os quero mortos nem o fim da festa,

quero apenas treinar a pontaria.

 

Qualquer deus é grande, maior que tudo,

de forma que vivem longe em lugar além…

A seu modo poliglotas, estilo surdo-mudo,

e assim ditam o pecado, o mal e o bem.

 

A seus ministros é pesado o fardo alombado:

abençoam, excomungam, conforme as escrituras,

alteram as combinas, corrigem o pecado

e determinam a morte e as vidas futuras.

 

Eu vou falar com um deus um dia destes

e dizer-lhe cara-a-cara, muito abertamente:

“mas que mundo é este que concebestes

onde só vós viveis sem leis eternamente?”


 

domingo, 19 de setembro de 2021

CÁ DENTRO DE CASA


Cá dentro de casa

nada me faz mal,

calor em brasa

ou brisa outonal.

 

Se houver vendaval,

chuva persistente,

ficam no quintal:

cá dentro só gente.

 

Amigos, quero dizer,

de boa companhia…

Calha às vezes não ser

mas fica pra outro dia.

 

Cá dentro de casa

é como vos digo:

um dia, um golpe d’asa,

outro dia a sós comigo.


 

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

ASSIM DE SIMPLES


Sombras mais adiante e o tempo a amolecer

à nossa frente. Brando, o Sol morre

e todo o mundo desaba ao entardecer,

esse mundo que não pára e corre, corre…

 

Seguem-no os olhos que avistam o horizonte,

edificando um mundo novo mais além;

no limite, o olhar vai construindo uma ponte;

um caminho do que foi para o que lá vem.

 


 

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

FLOR


A flor leva apenas um laço,

eu mesmo faço;

é para oferecer. Ou pô-la na sala

para o que der e vier.

Ponha na conta, vou levá-la.

Ficarei com ela, se a merecer.

 

Solitários, não tem?

Só, a condizer, ficava lá bem

junto à janela

para que o sol lhe dê.

É isso, talvez fique com ela

e será dádiva para quem a vê.


 

domingo, 5 de setembro de 2021

POEMA DO MAR


Confia em mim – disse o mar –

eu protejo-te, avança…

(ele, que não é flor de se cheirar

nem amigo de confiança)

 

Contudo, tem charme e mistério,

ousa matar sem piedade:

tanto pode zangar-se a sério

como depois ser bondade.

 

É assim que o mar ensaia

ondas e marés em vaivém,

pelo menos visto da praia

é tudo o que o mar tem.


 

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

SEXTO ASCENDENTE



Descendente,

a lua faz de bola,

e no mesmo gesto

a lua enrola, enrola

e faz um cesto,

ascendente.