sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

AVISO SOBRE A EVOLUÇÃO


Se tudo está no ADN,
por que razão o vil metal
(euro, dólar, iene…)
nos dá condição animal?

O velho truque da cenoura
colhe em qualquer idade
e, de forma duradoura,
com base na propriedade.

É fácil a explicação:
esse, chamado capital,
tornou este mundo cão
no pecado original.

Mas não há povos sem povo
e esse, com toda a razão,
não sai de qualquer ovo
posto pelo amo ou patrão.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

CARAVELAS


Digo caravelas: sonhos e descobertas…
Digo por dizer sobre um mar incerto
mas vou achando por entre neblinas e abertas
o que no mundo existe , a horas certas.

Digo de náufragos e de loucos
o que dizem argonautas, marinheiros,
que a Terra foram circundando aos poucos.
como num relógio os ponteiros:

Vivas são as marés, que as horas
gastas e mortas por tanto mar salgado,
há muito largaram fardos e âncoras
neste país “à beira mar plantado”.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

MORTE SANTA


Haverá a morte de dar notícia.
É com esta aparente contradição
que as dores, usando de malícia,
cumprem o que é a sua condição.

Doem, moem e, não poucas vezes,
aliviam para de novo magoarem.
Algumas são matreiras, soezes:
arraigam em silêncio sem se anunciarem.

E quando as favorece a condição
do corpo sem sintomas ou suspeitas,
já não há comprimido ou injecção
que sare a dor das vítimas contrafeitas.

Então, devota, a morte dá notícia:
alvitra o beato descanso eterno
e impõe com autoridade de polícia
de duas uma: o céu ou o inferno!?

E feito o deve e o haver da vida,
se a conta dos pecados está por fazer,
seja qual for a extrema via decidida,
não resta mais à dor senão morrer.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

MONDEGO


Amava Coimbra, até como a si mesmo,
e todas as promessas eram em si postas:
- um dia perco-me e subo a esmo,
Nem que por ti escale o quebra-costas.

- Eu galgarei as margens loucamente!
Amanhã bato-te à porta em segredo.
Dizia, apaixonado, caudalosamente,
Por basófia, ‘inda no leito o rio Mondego.

Na manhã seguinte, trinando a madrugada,
Já se omitia, da véspera, tão ousado.
Era apenas fala, sina, noite mal passada;
destino presumido no seu fado.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

ILUSÃO



Acontece que não sei
o que me espera além
quando o souber direi
por enquanto estou sem

argumentos convincentes
ou, pelo menos, chegados,
sobre os cinco continentes,
como digo, não tenho dados

que permitam, exactamente,
mais além da minha rua,
excepto, descoberta recente,
duma estrada para a lua…

Coisas de joaninha,
que mal poisam: “voa, voa”
e não pára a pobrezinha,
porque "o pai está em Lisboa".

domingo, 18 de janeiro de 2015

FANTASIA


Assim te relembro no que há em mim de mais profundo:
busto de mar e espuma; saia apertada, de areia fina…
e sempre que assim te lembro desvaneces e, imagina,
já te não vejo e o que afinal recordo em ti é todo o mundo.

Todo o mundo, todo o mundo que me corrói e mina.
Íntimo, imaginado, que numa fracção de segundo,
me cega e convoca mais premente e mais fundo,
mais aquém donde começa; mais além donde termina.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

LUZ IRREAL



Agora, uma luz brilhante e enganadora
vem trespassar-me o corpo, corrompida
como os demais gládios. Mas esta agora
tem modos e aferros de morte assistida.

Fere a alma sem romper uma só veia
e executa com perícia a delicada operação:
mordisca, lambe, beija e só por fim arpeia
com firmeza o quebrantado coração. 

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

RELÓGIO DA TORRE


Sineiro sou, de sinos, pois,
que outros há que a rebate
ou mudos, de enfeite, a dois,
que não sirvam a quem os trate?

Dou momentos , ave-marias,
horas mortas, desatino;
passo assim noites e dias,
ganhando p’ra corda do sino.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

TRÊS DÍSTICOS SOBRE AS ÁRVORES


Uma árvore é uma planta crescida
pode por isso ter uma árvore na barriga.

Não é um ser; é uma árvore sofrida,
macerada, mas não dada por vencida.

O fim do mundo é quando, desprotegida,
a última árvore perder a vida.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

ENDEREÇO


O mundo é grande; a minha casa não…
o mundo tem mil andares e assoalhadas
e eu, além das casas caiadas,
faço parte do mundo e moro num rés do chão.

Habito como os da minha condição:
algures, numa rua, bem lá no fundo,
em condomínio aberto, dito quarteirão.
Moro aqui perto: sou vizinho do mundo.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

VIDA PERSISTENTE


Sombras ou o que resta delas:
esperas, memórias e mais nada;
o pó das estantes, a luz das velas
e uma fotografia emoldurada.

Espera é um pedaço de vida,
se a virtude em vão não for;
paciência, esperança e medida
entre a semente e a flor.

sábado, 3 de janeiro de 2015

NARCISO


O narciso
não tem juízo
nem é preciso
é da natureza
a sua beleza
e o seu siso

Em sua defesa
há a nobreza
sem tibieza
de quem se preza
ter a certeza
de um sorriso

Porquê a ligeireza?
Qual é o prejuízo?

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

VIDA CAPRICHOSA



Ai flores, cujo rescender
me colhe por mariposa,
dai-me tempo e a ver
quanto o meu voo não ousa.

Coberto de cores e flores
como anjo querubim,
mais as mágoas e dores
que brotam dentro de mim.

Voarei num golpe d’asa
sobre pétalas e poemas,
mesmo sem sair de casa
e em vez de asas ter penas,

Menos flores, menos sorte
e mais água abundante;
mais vidas além da morte
e menos de agora em diante…