Quando eu era menino a tempo inteiro,
Deus passava de mão em mão, fechado
numa caixa de madeira, com mealheiro
para a esmola e me benzer ajoelhado.
A Sagrada Família era aqueles três,
em pose de sorriso mudo e contrafeito,
a quem rezava cinco ave-marias duma vez
e me deixava, como um anjo, satisfeito.
Perdeu-se o hábito, agora já assim não é:
há deuses para todos os rendimentos,
anunciam-se em flyers,
em papel couché,
que prometem aliviar-nos dos sofrimentos.
Com os novos deuses não me entendo,
certificados, assépticos, com alvará
dão-me calafrios e sono, que só vendo…
Não fazem o meu género ao deus dará.
Fui crescendo e descrendo em sermões
e a esperança de ter um deus só meu,
que pela ladainha breve e dez tostões
podia até ter fé e um bom lugar no céu.
Para quem tiver dúvidas a meu respeito
e disso faça uma questão de consciência,
saiba que fui concebido sem defeito
e Deus é uma prova da minha existência.