sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

VOZES DE BURRO *

*CRÓNICA in POVO DA BEIRA 26/12/2018

Chovem gatos e cães. Matreiros como raposas, os habituais frequentadores do café, esticam as conversas para não terem de se expor aos elementos, enquanto a borrasca se mantiver. Na verdade, nada disto é novidade: raro é o que não arrasta a sua vida de cão, pelo menos até à hora de almoço.
O tema das conversas de hoje é bizarro. Falam dos que se entretêm a mudar-lhes os hábitos linguísticos cultivados há anos, como ratos que invadem a despensa, destroem o que lhes dá na gana, bolachas guardadas religiosamente para certas ocasiões… a precisar duma ratoeira no sítio certo, é o que é. Não, não estamos a falar dos papagaios do acordo ortográfico. Cada macaco no seu galho, esses são de outra inquietação. O que se discute agora é do simples direito de falar e de chamar os bois pelos nomes.
Consta que há por aí uns pardais preocupados com a alusão a animais no discurso corrente, dizem, em defesa dos próprios bichos.
- Ele há cada camelo, disse o mais indignado da roda. O que faltava agora era um travão na língua, uma moderníssima forma de censura, que nos obrigue a falar do modo que esta cáfila aprendeu na manjedoura.
Aliás, nos dias que correm, não há cão ou gato que não produza opinião douta sobre quem, sobre como ou sobre onde e quando.
A organização que deu o mote e trata por tu os animais tem nome sugestivo: chama-se PETA. Fica-lhe bem. Há bem pouco tempo lançou uma campanha para “acabar com expressões que sugiram maus tratos a animais”. O PAN já veio a terreiro dar exemplos: "Pregar dois pregos de uma martelada só" (para substituir "Matar dois coelhos de uma cajadada só") ou "Pegar uma flor pelos espinhos" (como alternativa para "Pegar um touro pelos cornos") são algumas das sugestões do PAN. Cada tiro, cada melro.
A estas erratas à língua comum, quer ainda o PAN que o povo se habitue a dizer "Mais vale dois pássaros a voar do que um na mão". É o que temos.
A tertúlia da manhã não podia estar mais agitada. Não bastava o mau tempo lá fora e ainda mais este incómodo, este trava-línguas de meia-tigela.
Mas a esperança é sempre a última a morrer e todos esperam que vozes de burro não cheguem ao céu.
- Isto nem parece coisa vinda de gente, macacos me mordam!