domingo, 6 de maio de 2012

GUARDANAPO

O guardanapo é um objecto que, tendo à mesa a função de guardar a toalha respectiva do unto alimentar, se apresenta tantas vezes exposto de forma e feitio sofisticados, que outro objectivo parece ter e não o tem, de facto. É também o que diz o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, Livros Horizonte, terceira edição, 1977 e mais esta preciosidade do Auto das Fadas de Gil Vicente: Isto he fersura de sapo/que estaa neste guardanapo. Os mais comuns, os que pomos nas nossas mesas com a pressa que valores mais altos nos impõem, têm habitualmente a forma de um quadrado ou dum rectângulo. Mas se o local do repasto não é este doméstico local, logo nos deparamos com uma variedade imensa de feitios, para não dizer cores, de requintado gosto ou risível falta dele. E assim os temos em forma de triângulo, o mais clássico, pois desta forma se dá nome aos bolos que os imitam; enrolados, com e sem argola, como se de um conspirativo papiro se tratasse; em cone como pirâmides (papiro, pirâmides, queres ver que anda aqui mãozinha dos egípcios ancestrais?!) mas não nos levantemos da mesa, ainda. Claro que há aqueles que simulam flores e aves e que nos fazem hesitar entre o desdobro e não desdobro e obrigam, em limite, à primeira, para óbvio asseio e ocultação de gulas. Os que mais me espantam, porém, e sempre me deixam um sorriso cujo sentido profundo nunca identifico, são aqueles espampanantes leques, quais caudas de pavão ou entranhas de acordeão, postos ali em frente do prato, necessitando para isso quase sempre o apoio de um copo que os sustente. Diria com certeza muitos mais se a circunstância mo exigisse e a paciência de quem por estas linhas passa a vista não me merecesse todo o respeito. Ora, e tudo isto para quê? Para a higiene e os modos sociais, respondo eu, que nem sempre deram importância ao assunto. Mas, já agora, permitam-me estas bacoquices literárias, falta aludir à diversidade de alinhos a que este adereço obriga. Simples como é o asseio, neste caso se exprime de forma particular. O que para uns é sinónimo de retoque das comissuras, para outros obriga mesmo ao expurgo dos lábios, para não dizer beiços, que são de inferior conjuntura. Beiçola ou trombas são de muito baixa condição ou então o convívio já vai alto e a linguagem se vai descuidando, não tarda o insulto e a escaramuça. O mais comum, aquela designação que, não havendo na forja novo acordo ortográfico, não melindra ninguém, é o clássico limpar a boca. E está tudo dito. E agora perguntam-me vocês: “mas que diabo queres tu com essa conversa sem pés nem cabeça, de entretém para quem tem mais com que se preocupar?” E eu respondo: … Ora aqui chegados, com as boquinhas secas e capazes agora de vociferar até, vou eu terminar esta arenga com uma notícia que, não sendo nova, não deixará de o ser, porque notícia é o que se diz para que se saiba. Vem assim ao caso a investigação judicial àquele que foi ministro de um primeiro que, tal como o actual, tudo fez para dar cabo do país, e que ambas as mãos sujou, dizem por enquanto os jornais, em batotas ditas tráfico de influências. O ex-ministro de que falo, boca aberta durante todo o consulado, chamou camelos aos alentejanos a propósito da nova ponte sobre o Tejo, pelo que houveram de lha limpar, e nunca jamais encontrou sítio adequado para um novo aeroporto nem TGV que parasse na estação. A sua principal arma era por isso a boca. Suja, dizem as notícias. Agora terá de limpar-se ao guardanapo da justiça. Assim esperamos em abono do asseio que tanto necessitamos.