quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

A GUERRA

I
Havia notícias duma guerra longínqua
e, ao mesmo tempo, presente em todos os gestos e falas.
Mais gestos do que falas.
Os nossos eram os bons e acenavam com um adeus sombrio
quando embarcavam em Lisboa.
Os que ficavam no cais imitavam-nos,
mas com lenços e lágrimas, num mesmo adeus sombrio.
Não se sabia se o inimigo também embarcava desta forma
e se chorava, se tinha um cais,
família e despedidas com lenços, lágrimas e um adeus sombrio.
Os nossos não morriam nunca,
como nos filmes; desejavam prosperidades todos os natais
e escreviam aerogramas para as madrinhas de guerra,
prometendo regressar mais saudáveis do que nunca.
Que soubéssemos, como disse,
os nossos eram os bons
e isso transformava-nos em inocentes querubins de alma branca
e olhar atónito, sem lágrimas que não fossem de imitação.

II

Um, dois, esquerdo, direito.
É verdade, andei por aí suando que nem uma besta,
por causa duma coisa chamada pátria,
que por dentro era áspera e cinzenta
e, por fora, espiava-me como se fosse um criminoso.
Aprendi várias formas de matar
e conheci os calibres
que me poderiam ajudar nessas missões.
As balas, essas, tive-as sempre na mão.
Em Cabo Verde, as culatras não faziam sentido
e pereciam de ferrugem e de pó.
Era um pó castanho que tudo cobria
e isso era já mal bastante.
Sobravam mornas e coladeras.
Gingava na tabanca,
embriagava-me de aguardente e grogue,
esticava a noite até o sol raiar
e adormecia a sono solto até ao nascer de outros sóis.
Deixámos dito, nôs terra é pa nôs povo.