sábado, 2 de novembro de 2019

DIA DE FINADOS


Um dia tudo acaba.
Ficam as flores envelhecidas numa jarra esquecida;
um par de sapatos velhos e sem atacadores no sótão;
os papeis a que tínhamos perdido o rasto;
as últimas tarefas, aquelas que não se realizaram
por falta de tempo, que inexperientes e incautos
(os outros chamavam-lhe teimosia) julgámos ter de sobra;
e a memória, se a deixarmos, num retrato do aparador.
Se mais memória de nós houver, talvez a evocação
anual do ente que tão cedo lhe foi ceifada a vida
ou tão generosos lhe foram os longos anos de existência.
Eis a vantagem do que de si se pode ainda presumir.
Depois, trocaremos o vocabulário pelo silêncio
e ninguém mais se lembrará de tais lamechas.
Então, muitos teremos direito a flores.
Umas em plástico, muitas sem tamanho merecimento.