segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A CEIA



O mais atrevido picava furtivamente
a batata cozida que era já cuidada para a próxima refeição.
- Guardado está o bocado…
No panelão de ferro escuro afundavam todas as batatas,
mais ou menos à conta, com casca,
para que o entretém do desbulho
provocasse a sensação de uma refeição farta e prolongada.
- Ficavam assim mais saborosas, era a versão familiar.
O pai contava sempre a mesma história:
que a batata não era um fruto como a castanha,
mas um tubérculo, uma raiz,
que era recente na nossa dieta habitual
e que tinha sido trazida da américa.
Isso dava a todos a impressão de um manjar exótico,
apesar do nome saber ao mesmo
que o som da palavra que lhe dava o nome.
Comiam-se com ganas de tapar todos os buracos
que o sol ou a chuva abriam algures no ventre.
A tudo isto se chamava ceia
(nada parecida com o quadro com o mesmo nome
pendurado, desde que me lembro,
por cima do aparador da sala)
a tudo isto chamávamos ceia
porque não tínhamos outro nome para lhe chamar.
Poderíamos chamar-lhe fome,
se soubéssemos o que era fartura.