sexta-feira, 1 de junho de 2012

DOR DE AUSÊNCIA

Imagine-se um qualquer objecto, complexo ou vulgar, que desperta em nós um desejo irresistível de o possuir, de o tocar a todo e a qualquer instante, de o olhar como seu, como parte de si. Agora, que este objecto é definitivamente algo que não nos pertence, nunca nos pertenceu. É um objecto de culto. Haveremos de imaginar que é nosso todo o tempo em que o arrebatamento permanecer. Dói que não nos pertença. Diferente é se o objecto, aquele de que falávamos, nos pertence por inteiro, nos permite por isso o contacto permanente, talvez o afago, o olhar embevecido durante o tempo e no local que bem nos aprouver e, de forma brusca, o perdemos. A isso chamo dor de ausência. Assim somos. Perdi as Teses do III Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro em 1973. As Teses reunidas em capas próprias, por temas, não os livros que com elas foram depois editados, que o Dr. Vasco Silva recolheu e generosamente me ofereceu então, uma vez que não pude participar lá, na cidade da ria. Talvez as Teses sobrevivam ocultas por trás duma estante ou por baixo dum amontoado de papéis abandonados em tanta mudança dos últimos tempos. Talvez estejam ainda intactas e com os separadores que lhes ia colocando, fazendo separação entre trigo e joio. Talvez estejam ainda à minha espera em pródigas mãos para me serem devolvidas, talvez com um sorriso nos lábios de quem, sabendo o valor que lhes atribuo, espere em troca um sorriso meu de perpétuo agradecimento. Talvez tudo isso ou coisa alguma. A verdade é que por enquanto a sua ausência me dói. Muito.