quinta-feira, 20 de junho de 2024

UMA GOTA DE SUOR


Precária, a gota de suor,

percorre-me a face,

segue as rugas em redor,

titubeia ante o desenlace.

 

Volteia com destino à vista

num itinerário fecundo,

de nada vai à conquista

e nada sabe do mundo.

 

Perde-me, por fim, o rasto,

sendo ainda parte de mim

ou sou eu que me arrasto

e me fujo com outro fim?

 

Cai por acção da gravidade,

é já uma gota fria,

e finda a sua sagacidade

perde toda a poesia.


 

segunda-feira, 10 de junho de 2024

À CONDIÇÃO


Havia um bicho que comia

outro que saltava

e outro ainda que acreditava

que o bicho comia por fome

noite e dia, mas não,

era a fome que o consumia.

 

O que saltava, pensava o que comia,

não se continha,

por ter mal de pernas ou de espinha,

- vá-se lá saber o que o bicho sente!

Ciente ou não

o bicho saltava de contente.

 

O terceiro, que apenas cria,

cria no seu crer de bicho,

que era tudo uma questão de capricho,

como pessoas, igual,

quer se aceite ou não

e só não lhes chamamos bichos por parecer mal.


 

domingo, 2 de junho de 2024

SOLIDÁRIO

 

Quis escrever um poema com rosas

e cheiro a alecrim

e quis dar-te as cores que assomam

no arco-íris

estava para elas, dava-te tudo e cheguei tarde.

Além do mais, gostava que ouvisses

o som dos sinos da minha aldeia

- apenas os sons, não o que eles clamam –

e queria ver-te dançar como dançam as crianças,

sorrir, como fazem as bailarinas,

era essa a minha intenção e cheguei tarde.

Tinha guardado um sol para te oferecer,

um sol de verdade: universal e luminoso,

como aqueles sóis dos desenhos de criança.

Fosse ou não apenas uma candeia de esperança,

era toda a luz do mundo que tinha para ti,

era futuro e vida e cheguei tarde.

Cheguei mesmo a pensar em batatas e arroz

para te enviar mas houve sempre gente

que achava um exagero a minha preocupação.

Hoje tenho apenas um abraço fraternal

e isso farei até que terminem os meus dias,

espero não chegar tarde, Palestina.