terça-feira, 13 de novembro de 2018

OS PRIMEIROS DESAFIOS



Quando brincávamos na rua e o Sol se rendia,
submisso, aos nossos pés,
não subtraiamos; apenas somávamos e multiplicávamos,
dividíamos tudo: repartíamos, como então nos era modo de ser.
Jogávamos contra e a favor dos nossos, partilhávamos a bola
como coisa íntima e colectiva. Não havia adversários:
todos eram companheiros no jogo, nas mazelas e em tudo mais,
excepto nos golos, que eram de cada um…
Naquele tempo não subtraíamos, nem tal nos ocorria.
O tempo era de somar, de multiplicar para os mais ansiosos…

Não se pensava nas classes que haveriam de surgir
entre nós com o passar dos anos: os que teriam meios
e os que haveriam de sujeitar-se, vendendo a sua força de trabalho.
Julgávamo-nos como iguais e assim fomos sendo
até nos perdermos de vista, que é jeito particular de crescer
e nos encontrarmos num mundo dividido, que não era então
da nossas contas, porque apenas somávamos e multiplicávamos,
dividíamos tudo,  éramos incapazes de subtrair o que quer que fosse
à alegria de ali estarmos e partilhar o nosso mundo.

As corridas sem freio e os remates longe da baliza
eram só intenções, só isso, nada de ultrapassar quem quer que fosse
e, no entanto, ganhávamos e perdíamos (às vezes empatávamos…)
com o mesmo entusiasmo e com os mesmos abraços
de vencidos e vencedores de um jogo que não era mais que um jogo,
mais que um tempo em que todos nos juntávamos
e nos comprazia estarmos, naquele tempo em que não subtraíamos;
apenas somávamos e multiplicávamos e dividíamos tudo,
tal como o desejo de sermos homens e ter futuro.