quarta-feira, 5 de março de 2014

OS NORTE-AMERICANOS (Rhapsody para Allen Ginsberg)



Escrevem versos brancos como quem vai à Lua
e vão à Lua cavar poemas ainda mais brancos.
Para o bem e para o mal, conhecem o mundo
até às Caraíbas e jamais o meu vizinho carpinteiro,
de nome Joaquim, que jura ter feito
um guarda-fatos em mogno para um milionário californiano.
De sonetos (incluindo ingleses) nunca ouviram falar;
sabem de sondagens, tácticas militares e de napalm,
de multinacionais e de petróleo.
Não são nunca culpados de coisa alguma:
chatearam-se em Pearl Harbour e vingaram-se em Hiroxima.
O Mayflower não levou todos os bandidos e prostitutas
europeus. Prosperaram depois. E isso vê-se
nas eleições políticas que realizam,
nas guerras que exportam, nas revoluções que inventam
e na leviandade com que dizem my god.

É verdade que há os Óscares, os Nobel
e as medalhas olímpicas, mas a verdadeira história
norte-americana é a de Bufalo Bill.
As fontes não revelam quantos milhões não têm abrigo
e não há notícia de Apaches nem de Cherokees
(eu sei, Allen, de Sacco e Vanzetti também não)
mortos em nome do american way of life.
Borrados de medo em Hanoi, não conheceram Jonh Reed, nem Gus Hall,
de quem muito aprenderiam sobre os outros.
Preferiram embebedar-se em Saigão, vomitar
no Mar da China a última ração de combate
e lamber o chão em Woodstock.
Ninguém como os norte-americanos
soube dignificar de forma tão eloquente
o nome da sua moeda fiduciária,
dos seus heróis de banda-desenhada
e das suas histéricas lágrimas em Manhattan.