sexta-feira, 6 de setembro de 2013

ESPÓLIO URBANO


Quando um dia me mudei para a cidade
tratei de coleccionar objectos úteis, na altura,
mas que hoje me empecilham o sótão e por isso
resolvi por à venda, à boleia da moda do chamado revivalismo.
Do inventário constam os seguintes tarambecos:
Um penico de loiça, branco, com asa, praticamente sem uso,
três bolas de matraquilhos, em madeira, certamente
subtraídas ao jogo para outros fins,
cinco cromos de jogadores do barreirense, mais ou menos em bom estado
e sem vestígios de cola atrás,
vários livros de banda desenhada do Major Alvega e um do Mandrake,
uma caixa com pregos de solho, com certeza sobrantes de obra feita
ou talvez para projecto que nunca viu a luz do dia e uma sebenta
com folhas pautadas, que exibe na capa um lusito em saudação fascista,
uma caderneta completa da história do automóvel,
em papel cromolux , com legendas,
uma caixa de madeira com fechadura e sem nada lá dentro,
um sabonete lavanda para dar cheiro nas gavetas,
quatro aparos para caligrafia: dois para cursivo e outros dois
para bastardo francês, um prato estampado com uma vista do castelo,
uma cassete virgem e dois livros de poemas, iguais,
de António Ramos Rosa, que me vieram parar à mão
por qualquer motivo insólito, a dizer coisas.
Troco tudo isto por um emprego.