segunda-feira, 12 de julho de 2010

AINDA JOSÉ SARAMAGO

Um dos textos de José Saramago que mais me impressionaram, foi em Objecto Quase, editado em 1978, o conto A Cadeira. As obras fundamentais do escritor não tinham visto então a luz do dia.
A narrativa poderosa e metafórica de A Cadeira é algo que nunca esquece, por mais anos que vivamos. Lembro-me que a minúcia era tanta, a descrição era tal, que quase exasperava. Porém, era impossível largar o texto. Teve que ser lido por uma vez e só no fim pude desfrutar do prazer que tal leitura me proporcionou.
O texto de que falo era metáfora da célebre queda sofrida pelo ditador Salazar em 1968: “A cadeira começou a cair, a ir abaixo, a tombar, mas não, no rigor do termo, a desabar”…
A cadeira dos nossos dias, no rigor do termo, não estará igualmente a desabar.
O bicho que lhe mina a madeira e deixa buracos, quase sulcos, não passam de pueris armadilhas. Também a almofada que forra o assento, sendo o suporte ideal para quem se instala com nenhuma vontade de levantar o rabo, é podre e mal cheirosa. Fede de mentiras, de promessas não cumpridas e de tantas outras malfeitorias, que a simples insinuação do utente de se levantar é imediatamente julgada como nova malfeitoria.
Dizem alguns, em alegada defesa do sentado, que não é a cadeira de antanho; esta é uma cadeira democrática, desconfortável, onde só tem assento quem for dono de um elevado espírito de sacrifício e sentido patriótico. Pois seja então. Não se sacrifique mais por esta gentalha em pé: levante-se e caminhe, não se lhe pede tamanho sacrifício.
Não faltarão cadeiras oferecidas quais rameiras, estofadas, em mogno ou design modernaço, mas cadeiras. Democráticas ou não, capazes de suportar tamanho rabo, ainda que à custa das nossas costas…
A cadeira parece assim recorrente na história portuguesa, bem como a dança das cadeiras. Mas não é a dança que nos preocupa agora; preocupa-nos simplesmente a cadeira e a forma como se senta quem dela faz lugar absoluto contra tudo e contra todos.
Deixemos pois, que se mantenha sentado, mas não para que descanse ou lhe pareça que todos os que estão de pé foram invadidos duma espécie de comiseração para com o instalado, e muito menos que aguardam pacientemente a destruição pelo bicho da madeira. Não, desta feita, é necessário deitar a cadeira abaixo.

3 comentários:

  1. Constato que a métafora da cadeira tem hoje, tanto como no passado, ou até mesmo mais do que nunca, todo o seu sentido!!!!!

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  2. AMEI o seu comentàrio no m/blog
    OBRIGADA.... CORPO DE POETA

    VOU VOLTAR

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  3. Olá João
    Afinal há outra cadeira onde alguém senta um traseiro que não descola nem para as necessidades primárias.
    Coisa mais hedionda. Colarem-se àquilo que um insignificante bicho destrói.
    Antes de se sentarem ainda tinham ideias e palavras com promessas.
    Depois nem ideias nem outras coisas como essas.
    Sujam a cadeira e o nome português com as piores coisas que não cabe aqui dizê-las.

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