segunda-feira, 4 de maio de 2020

O DIA SEGUINTE


Ainda bem que estão aí.
Nada. Não é por nada. É somente por saber
que ainda estão aí.
Até agora, as guerras acabavam por satisfazer
uma das partes em confronto
e pela primeira vez assistimos a um conflito
em que todos se acham vencedores,
apesar de continuar a haver exploradores e explorados
por mais algum tempo.
Não foi exactamente uma viagem em comum
o que fizemos no mesmo barco.
É um pouco assustador, não acham?
Veremos se acontece o mesmo com o espólio…

Ou talvez eu seja demasiado pessimista,
poeta, quase sempre.
É provável que uma qualquer tristeza súbita
não me deixe ver a realidade que oiço,
que realça as mazelas e as baixas
e as dores da alma que isso traz consigo.
Mas ainda bem que estão aí.

Vi muito jogo sujo;
os que serão sempre coveiros
e os que ostentam aureola de santo
e são coveiros também.
- A sociedade cria estes elementos
para que os outros cidadãos
se achem merecedores de elogio –
e voltaremos a sujar as mãos porque é hábito nosso,
porque a qualidade que nos distingue
é também o nosso principal defeito:
(custa-me dizê-lo neste momento, isso é incontornável)
somos humanos e assim continuaremos.
Ainda bem que estão aí.