quinta-feira, 22 de agosto de 2024

FANTASIA



Um dia destes,

subo à árvore que em mim cresce

e da copa olharei a terra que me cerca.

Saberei, desse burladero,

as ervas que me cingem, o chão que me sustem.

E, observando tudo isso,

tirarei sérias conclusões:

as minhas sementes serão encaminhadas

de modo a ter o melhor chão

e poder morrer tranquilo,

caso não haja impedimentos de última hora.

 

domingo, 18 de agosto de 2024

BEIJOS GUARDADOS



Trazia no bolso, embrulhado

um beijo para te oferecer,

guardei-o tão bem guardado

que acabei por me esquecer.

 

Outro dia será, com juros,

quem sabe, juras para o depois,

se os beijos estiverem maduros

e forem bastantes para dois.

 

terça-feira, 6 de agosto de 2024

O MEU TEMPO


Queria dar-vos um conselho

sobre o tempo que eu aprovo:

o tempo não passa por velho,

o que passa é tempo novo.

 

Se não, o tempo passado

já chegava bem maduro,

e por isso chegaria atrasado

para o que espero do futuro.

 

Quero o passado onde está

e o futuro no que há de vir

tudo em seu lugar, não vá

de tanto esperar desistir.


 

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

EZEQUIEL, POR EXEMPLO



O meu nome é Ezequiel,

esse foi o nome que me deram.

Além de mim e da curiosidade

de alguns cidadãos

ninguém mais se importa com isso.

 

Por assim dizer, sou um cidadão anónimo,

com nome próprio,

mas que ninguém tem interesse em saber,

salvo raros casos

em que me pedem o cartão de cidadão

para o olharem com desdém

e, por fim, conferirem com a minha cara,

voltando à sua tarefa cabisbaixa.

 

Muitos sorriem ao ouvir o meu nome:

Geralmente os Josés, os Joões e as Marias.

Não sei o que pensam.

Imagino que me atribuem alguma deficiência

enquanto embalam com ternura

os nomes que lhes foram dados,

tal como a mim, que nada pedi ao nascer,

nem voltarei a nascer para pedir seja o que for.

 

 

NATUREZA


“O que sucede à árvore sucede ao homem. Quanto mais se quer erguer para o alto e para a luz, mais vigorosamente enterra as suas raízes para baixo.”

(Assim falou Zaratustra, F. Nietzsche)

 

 

Dizem das árvores

a raiz profunda

- natureza-morta, óleo sobre tela

Dizem das árvores

a sombra fresca

- natureza morna, o sono, a sesta

Dizem ainda das árvores

os frutos maduros

- essa é a natureza humana.