domingo, 6 de janeiro de 2019

DE OUVIR DIZER


Como posso eu comprar vinho, Senhor,
ao preço que estão as uvas,
mais o pé-de-obra de esmagá-las;
como posso eu aventurar-me assim
como vós, que sois capaz de o fazer
a partir da água, a partir do nada,
que é o valor dado à água quando abunda?
Guardai, que vos pedirei ajuda.

Mas é de água que preciso agora, Senhor,
não desse etílico líquido, que me mata
e não mata sedes antigas.
Guardarei o bem-aventurado vinho
para as sopas de cavalo cansado, tão nutritivas,
e mais tarde falaremos do pão necessário,
assunto em que também sois mestre
muito competente, segundo ouvi dizer.

É de água, pois, o meu pedido, Senhor,
não daquela deslavada que me entra
pelas frinchas do telhado e eu chamo chuva
há uma data de anos.
Água doce, benzida ou não, tanto faz,
mas que eu não tenha de a chorar,
não precise de fingir que tudo está bem assim
e morra de sede como as nuvens.