O Sol e as nuvens brancas
choram, à vez, no rio da minha terra,
o anunciado inverno.
Eu soletro mágoa e digo lágrima;
soletro ave e digo pena…
Água de algum lugar chove em mim,
deixando-me sem palavras enxutas.
O Sol e as nuvens brancas
choram, à vez, no rio da minha terra,
o anunciado inverno.
Eu soletro mágoa e digo lágrima;
soletro ave e digo pena…
Água de algum lugar chove em mim,
deixando-me sem palavras enxutas.
Com o tempo sucumbem os versos quebradiços,
mesmo os que antes giravam em carrossel,
são agora memórias, talvez reais, submissos,
e tresandam a tinta e a folhas de papel.
Mudam os tempos dos verbos para os passados,
que os há também actuais, sobreviventes
à custa do garimpo e da salvação dos mal-amados
versos que um dia foram chatos, impertinentes.
Não há meio de conseguir uma conciliação
e os versos, felizes com a escolha, é o que penso,
assomam às folhas perdidas, de aluvião,
cuidando confundir-me, quais carvões de incenso,
mais não podem que uma tremenda confusão,
há tanto tempo perdidos, nem eu a eles pertenço.
São elas, mais do que as nozes, as vozes:
a noz da guerra, não parte, rebenta, ai de nós.
A noz da fome, dura de roer a quem a come;
a quem a tome e não consome tem outro nome.
Sobra uma terceira noz, noz como nós, basta vê-la
e surge, de viva voz, o desejo. Apetece comê-la.
A um canto da revolta, o canto
e a lágrima em forma de coração,
seca. Um mar de desencanto.
A alma cheia e um pranto de razão.
E a razão é um pássaro altivo,
à afronta não cessa o voo nem cala,
antes morto que cativo
e a sua lágrima é em forma de bala.
Montado no meu cavalo de prata
empunhei sozinho a espada
de Afonso Henriques e logo ali
trespassei os sete ladrões que a roubavam.
Sete anjos de grandes bigodes
acenaram-me, lhanos e garbosos,
de cada uma das sete colinas de Lisboa,
que mereceram o meu apreço e saudação.
O primário manual de história tinha o condão
de me criar épicas ilusões, nunca aproveitadas:
continuei comendo do requentado caldo,
mentindo a mim mesmo esta verdade.
A casa é um feitiço
ainda não descoberto,
está onde está, por isso,
é um longe sempre perto.
É um lugar da lembrança
ou o pouco guardado dela,
um atalho de esperança,
uma porta e uma janela.
É de mil coisas lugar,
restos de ter e haver,
sítio a que chamamos lar,
sobras, algumas por varrer.
Mas um sítio imaculado
em pouco tempo, e o futuro
é o provável culpado
dos caminhos em que me aventuro.
O meu amor é tão lindo,
a mim sabe-me tão bem,
meu amor que já
lá vem.
Bamboleia no carreiro
ao meu encontro, lá vem,
passinho certo e ligeiro,
olha a pressa que ela tem.
Traz uma flor no cabelo,
da trança pende um lacinho
e o seu rosto, só em vê-lo,
deixa-me a mim p´lo beicinho.
Já me viu e vem sorrindo
de muito me querer bem,
meu bem seja bem-vindo,
meu amor que já lá vem.
A triste notícia é que o meu gato morreu
tão longe e tão inesperadamente, defunto,
que fico sem saber se o gato era o meu,
se era ele ou eu ou ambos em conjunto.
Notícia não menos amargurada e triste,
causadora de dor e idêntico impacto,
é o porquê desta mágoa e luto que persiste,
se o médico me diz que nunca tive um gato.
Lá vem o barqueiro…
Sem barco vem a nado
traz boia e colete enrolado,
não vá o mar traiçoeiro
tirar-lhe a vida que tem.
Lá vem o barqueiro, lá vem…
Esbraceja como louco
(já falta pouco, já falta pouco)
barqueiro, que nem barco tem,
barqueiro sem barco é ninguém.
E que é do barco que não tem
o barqueiro de nomeada,
ter braços para a empreitada
é ter tudo para chegar.
Sorte do barqueiro que tem mar.
Antes o mar, antes o mar,
mesmo profundo e sem pé,
que a vida inteira a remar
contra a maré.
Em nada me importa a morte
e menos ainda o seu futuro.
Dão-me que fazer as papoilas,
lenços vermelhos das searas,
ou airosas pontuando os campos em pousio.
Quero prados de papoilas à minha volta,
cantando os hinos
que só elas são capazes de cantar.
Quero um grito de revolta,
a liberdade de me erguer seara adentro
e viver a liberdade a tempo inteiro.
Alguma coisa em vida
tem semelhanças com a morte;
alguma coisa na morte perpetua a vida,
com um pouco de sorte.
Um retrato, por ironia ou graça:
existia há anos no aparador
e só agora, como o tempo passa,
reparamos e lhe damos valor.
Era boa pessoa, um santo,
condição que em vida nunca ouvira…
E agora objecto de atenção e pranto,
tarde demais para quem já não respira.
há um sol que nasce
para todos um sol que nasce
há uma nascente
com sol para todos
há um todo de nascente
e sol que é de ninguém
há um raio de sol
uma gota de água na nascente
há sombra e sede
num caminho para nenhures
há flores azuis a poente
que lembram o sol e a sede
Ao cair da tarde
volta o tricô das palavras perdidas,
as de ontem, algumas de amanhã,
mas todas como novas, de hoje.
O poial ao redor da casa
escalda. Não por ser Verão,
mas porque as palavras aquecem.
A manta, a camisola ou o naperon
podem esperar.
Agora é apenas o tempo de tricotar
as palavras mais urgentes.
Um dia de Abril deu luz à minha casa,
tudo se tornou claro e transparente
como o vento que, num golpe d´asa,
nos mostrou o futuro ali presente.
E, de repente, todas as casas à volta
clarearam como sóis de alento
e sorríamos, andava a Liberdade à solta
num vaivém de asas e de vento.
Mudaram de lugar o Sol e a claridade,
ocultos entre as malhas que o império tece,
mas quem viu aquele Abril de tenra idade,
não perdeu o brilho e não esquece.
SONHO
Sê sincera
não me ocultes nada
deixa que te veja como se fosses transparente
ou melhor, como se não existisses.
Despe-te.
Consegues ver-me?
Que mais vês além da nuvem
há uma eternidade prestes a desabar, torrencial?
Esse é o meu melhor momento:
aquele que vou adiando,
como é o teu aí prostrada,
nua, contemplando um sonho a haver.