sexta-feira, 29 de março de 2019

QUE AS FLORES SEJAM FLORES

      Claude Monet

São, afinal, begónias as rosas
nos canteiros do jardim.
Tanto faz, despontam viçosas
e belas, que me importa a mim.

Enfim, para que queria eu
rosas, se ambas são flores,
begónias, o que a terra deu
é dado sem nenhuns rancores.

Cravos, malmequeres, violetas,
preciosas flores acidentais,
versos de muitos poetas,
olorosas rimas , que quero mais?


quarta-feira, 27 de março de 2019

NATUREZA VIVA




Tudo o que existe na natureza não está ali para sempre:
as árvores envelhecem e morrem, os rios secam,
as montanhas desabam para os vales, mudam-se as sendas,
as pedras e, com tudo isto, muda a própria natureza,
sem deixar de ser natureza aos nossos olhos.
O céu, como o vemos, não esteve sempre ali
debruçado sobre o horizonte e o mar, o misterioso mar
conheceu já outras marés e náufragos de toda a sorte,
enquanto a contemplamos, a natureza muda de lugar
para ser admirada, olhos nos olhos, sempre igual.

segunda-feira, 25 de março de 2019

A TEMPO DO COMBOIO



Ai se o comboio chegar a tempo
ai se chegar a tempo ao comboio
ai que o tempo não espera
ai que desespero se o comboio parte

parte do comboio chega – apita 
a outra parte grita – ai que se parte
pouca-terra pouca-terra pouca-terra
o comboio não chega – fico à espera

ai o tempo de espera – ai a espera
do comboio – o tempo parte – pouca-terra  
o comboio não vem – o tempo chega à tabela.

sábado, 23 de março de 2019

NÃO HÁ RAZÕES PARA SORRIR


Não há razões para sorrir,
e não me falem de sensibilidade,
que nada tenho a encobrir
e essa é a única verdade.

Não há razões para sorrir,
andar por aí às gargalhadas,
nem siso que me possa proibir
razões que tenho acumuladas.

Por excepção, rio de mim,
no máximo que posso consentir,
que é já bastante, e mesmo assim,
não há razões para sorrir.

quinta-feira, 21 de março de 2019

VISTAS PARA UM POEMA MAGNÍFICO


O mote é irrepreensível, já se vê:
actual e de grande oportunidade…
Só o porá em causa quem não o lê,
um poema magnífico, uma raridade.

Da metáfora então, nem se fala:
só a um génio lembraria coisa tal,
e se é penetrante como uma bala
não é indigesto e ainda menos letal.

De resto, comporta-se como gente
grave, de poucas falas, um cavalheiro
limpo de ádipos, evidentemente,
e suave rima, porém, de tom certeiro.

É certo que evita a turbamulta,
não compromete arte ou pergaminhos
e no dizer se vê de forma culta,
de saudável alimento e de bons vinhos.

Vai passando o janota, aperaltado,
exibindo a forma como se arruma…
É lamentável que ninguém tenha notado,
que pena não ter utilidade alguma.

Malogrado, com excepção da diabetes,
podia dar-se à cura de qualquer padecimento,
mas não, senhor do seus alfinetes,
tranca-se por dentro e dá-se ao sentimento.



terça-feira, 19 de março de 2019

SONETO PARNASIANO


Uma dor que se insinua e que não dói,
se finge magoada dor e mal se sente;
molesta por ser dor, a dor ausente
e por ser sentidamente a dor que foi.

Em seu vazio, tão doce e persistente,
é como azenha que lentamente mói,
aos poucos esmaga enquanto se corrói,
sem mostrar a dor que a própria sente.

Dor insensata lhe dará algum prazer,
o seu contrário, que a si se faz doer
e se esconde em crisálida como morta.

Torna depois, arrependida, bate à porta,
que de magoar se fica, pouco lhe importa,
esta dor que se envergonha de doer.


domingo, 17 de março de 2019

DESILUSÃO


Estavas tim, tão-tão,
querida Matilde
e ao primeiro abanão
fizeste tilt.


sexta-feira, 15 de março de 2019

DIA-A-DIA


Os dias foram passando uns aos outros,
que os dias vão passando com o tempo,
não querendo outra vida e, aos poucos,
foram passando anos neste passatempo.

Passaram dias, anos. Perdidos na idade,
os velhos dias vieram perguntar:
- Mas isto são dias ou são uma eternidade, 
quando é que deixam de nos imitar?

O tempo, ancião, reviu-se então ao espelho,
e incrédulo, quase lhe faltou o ar:
- Todos estes dias fizeram de mim um velho,
um dia de cada vez, parem de brincar!

quarta-feira, 13 de março de 2019

O PÃO


Ah, sim, o pão é capaz de feitos, que os homens
invejam e usam para alimentar todas as fomes.
Pelo pão se luta, vive e morre; pelo pão se mata
e trai; se enriquece e se mendiga magra côdea.

Porém, vê-lo na seara, baloiçando com a aragem,
o pão sossega, dorme como as águas de um lago
e aguarda o seu tempo de ser o maioral da planície,
dono e senhor da fome e da fartura, inexoráveis.

O pão é segado ao Sol impiedoso e nasce do vigor
de mil braços exaustos, que dele terão notícia,
(se um dia houver notícias deste pão…)
ou dele mais não restar que os dias a pão e água.

segunda-feira, 11 de março de 2019

LUPANAR


Venho para dormir. Desculpa, tenho sono.
Antes o teu perfume barato, de dissecadas violetas;
o teu hálito de álcool e tabaco, que apesta todo o quarto;
o teu sorriso de dez euros a cada meia hora;
enfim, o teu corpo nu deambulando no escuro…
Venho para dormir. Desculpa, tenho sono.
O ar está irrespirável do lado de lá da janela,
sufoco e não consigo adormecer um só segundo.
Tenho o corpo dorido como imagino o teu,
a cabeça vazia ou demasiado cheia de coisa alguma,
que faz de mim um marginal, um autómato tão frio
como estão agora os teus pés descalços.
Venho para dormir. Desculpa, tenho sono.
Abraça-me e dorme, podes beijar-me os ombros,
não os sinto por tudo o que têm carregado e só eu,
não eles, sou capaz de expressar.
Não recordo se é noite ainda ou se o Sol nasceu de novo,
mas não importa, venho para dormir
e prefiro não pensar nisso. Tenho sono, muito sono.

Agora sim, há mais espaço livre nos meus pulmões,
tudo me parece asseado, tranquilo, tu mesma a encarnação
da castidade como no melhor dos sonhos.
Mas como antes te disse, venho para dormir, apenas.
Empresta-me os teus gritos de silêncio e não me acordes,
pelo menos até sentires que sorrio como fazem os loucos.

sexta-feira, 8 de março de 2019

AMARGURADA CHUVA


Para vos dizer a verdade, apenas encontro beleza
na chuva quando escorre, ziguezagueando,
nas vidraças das janelas; quando aceito a falta que faz,
não é mais que um exercício de descarada retórica.

Ontem choveu e eu estava avisado. Os meteorologistas
não se enganaram desta vez. Chovia na clarabóia
das escadas, parecia ela que transpirava ou chorava
minúsculas lágrimas por mim, pelas minhas mentiras…

As gotas vinham correndo vidro abaixo e eu segui-as
até se desfazerem contra os caixilhos. Suicidaram-se
e voltaram a ser a mesma água de que são feitos os rios,
onde deixo os meus olhos voluntariamente naufragar.

quarta-feira, 6 de março de 2019

UMA FRESTA NA JANELA


Uma fresta na janela
de urdidura recente
serpenteia lentamente,
quase nem dava por ela.

Tem inocência aparente
esta fresta na janela,
tento não fazer caso dela,
sinto o que ela não sente.

Concorrentes, eu e ela,
eis a questão emergente:
a fresta que seja crescente
e eu vá espreitando à janela…

segunda-feira, 4 de março de 2019

RELÓGIO DA VIDA




Sou um relógio dotado,
com precisão ao segundo:
horas dadas são passado,
as outras tocam ao mundo.

Dou as horas de seguida,
tiquetaque sem parar;
às horas mortas dou vida
e às demais que contar.

Os que não gostam de mim
protestam, não querem mais
e que afinal sou ruim,
não dando a todos iguais.

Voam as horas, e o tempo,
que em cada deixa conselho,
vai com elas, vai com o vento,
a tempo e horas já velho.

Horas para todos os gostos:
boas, más e de sorte,
são estes os pressupostos
até à hora da morte.

sábado, 2 de março de 2019

JOGOS INFANTIS


Quem foi ao ar
de um jeito assim
perdeu o lugar
perlimpimpim

quem não corre
não pode brincar
e ninguém morre
sem eu mandar

jogo é pra jogar
e parar é morrer
venha o que vier

a sorte e o azar
os dois a brincar
ganhar ou perder