quarta-feira, 30 de outubro de 2019

TUDO ESTÁ BEM


Enquanto a Terra faz o giro de serviço,
as plantas crescem como convém.
À parte disso
tudo vai bem.

Às vezes uns contratempos dão reboliço
uns com infortúnio outros sem.
À parte disso
tudo vai bem.

A América só tem guerra a sul, valha-nos isso;
do norte, olham o sul com desdém.
À parte disso
tudo vai bem.

Já a velha Europa é uma estação fora de serviço;
aluga carruagens de um comboio que vai e vem.
À parte disso
tudo vai bem.

Todas as religiões anunciam um paraíso,
prontas para o vender a quem não tem.
À parte disso
tudo vai bem.

As grandes empresas nunca têm prejuízo,
sem reportarem à custa de quem.
À parte disso
Tudo vai bem.

Há milhões de crianças em busca de um sorriso,
têm de seu o sono e os sonhos como ninguém.
À parte disso
tudo vai bem.

À parte disto
está tudo bem.

domingo, 27 de outubro de 2019

NADA


Nada não existe por nada ser,
que sendo nada, algo tem,
alguma coisa tem de acontecer
para ser nada, de onde vem?

Nada é o que não tem nome
e morre antes de nascer;
é o mesmo que morrer de fome
sem ter vontade de comer.

Ou seja, é conversa fiada,
quando nada há para contar
e então alguma coisa é nada,
para tanto dar que falar.

O tempo que leva isto tudo
sem encontrar substância
é porque o nada absoluto,
mais que tudo é abundância.

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

VIDA


Dentro de mim há uma criança feliz,
que não cessa de brincar;
por fora, o balão sobe… A cada dia mais alto.

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

ROMPER O CERCO


Rompo a campânula e dou o salto
o mais longe que puder, o mais alto.

Recuso a entrevação, a vida morta.
Então, vou arrombando a porta,

Com este marasmo desespero
e isso é que não, isso é que não quero.

Irei por aí, livre, talvez ousado:
- a senda há-de levar-me a algum lado.

Se não levar, se já não houver estrada,
deixem-me ficar, esperarei p’la alvorada.

E, pelo sim, pelo não, sigo. Parar é nada.


segunda-feira, 21 de outubro de 2019

MENINO DA RUA


Na montra da loja há brinquedos
para todos os gostos: um boneco que chora,
outros com mil segredos,
uma princesa bondosa, mas não olhes agora…

Bruxas más, boazinhas e fingidas,
que em vez de cara têm uma abóbora
e há livros de cores garridas
com histórias de encantar, mas não olhes agora…

Mas não olhes agora. É tarde, começa a escurecer,
apagaram as luzes, a loja vai fechar,
não dão tempo a perder,
faz frio na rua, já podes olhar.

sábado, 19 de outubro de 2019

SORRISO


O sorriso é um cavalo à solta
galopando através da boca
o resto é fruto
da imaginação dum puto
que não quer comer a sopa.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

O DESGASTE DAS PALAVRAS


O desgaste das palavras obriga a contenção…
Há flores de sobra que, em suma, são isso mesmo, flores.
Não criam atritos e o seu aroma pode até unir
contrários, serenar azedumes e colorir todos os cinzentos.

Lamento esta falta de imaginação, as pétalas
das palavras falecem com o tempo; caem moribundas
e não há como usá-las de forma aromática e colorida,
capaz de unir os desavindos, os que sucumbem à solidão.

Haverá um meio, talvez uma fórmula ardilosa
de suprir com flores os lugares deixados pelas palavras.
Pensei nessa transformação, afinal tão simples como respirar,
dei-lhe o nome de princípio essencial da mentira.  


terça-feira, 15 de outubro de 2019

QUERIDAS CEGONHAS


Há cegonhas que já não se dão ao trabalho
das migrações
aqui têm casa, que vão ajeitando galho a galho
durante gerações.

Por cá têm vida estável e habitação social,
salvo eventual revés,
aqui vivem e morrem de morte natural
e são elas que trazem os bebés.

Faz parte da paisagem permanente,
este príncipe das nuvens, voador:
plana, compete com o céu diariamente,
é a gaivota do interior.

domingo, 13 de outubro de 2019

OS HOMENS SONHAM COMO AS ÁRVORES


Um sonho igual:
tocar o céu,
tal qual,
da frágil semente ao apogeu.

Rompendo a bruma, corre,
o trilho é para cima ou para a frente.
Depois morre
e volta a ser semente.

E volta a ser somente
o sonho que não morre.

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

GATO DE PERFIL


Faz ronrom, o gato
quer uma festa;
o dono é um chato,
melhor dormir a sesta.

Sonso, interesseiro,
preguiçoso como só ele,
mas quando quer é ligeiro
se for para safar a pele.

Miar não é lamecha;
é o seu modo de falar,
de unhas em flexa
sabe exigir e… arranhar.

O gato é impreciso,
um bicho aninhado ao borralho,
quase não se dá por isso
salvo os do Fialho.

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

O QUE DIZ A POESIA


De velho se torna a menino, dizem por aí…
Não creio que a natureza tenha o mesmo entendimento.
Por mais poética que se lhe acrescente,
a natureza envelhece, cria veredas profundas
nos outeiros, enche-se de tristeza
e o céu escurece no horizonte, encarvoa as nuvens.
Queria ser menino agora e com os olhos dessa criança
ver o que não vejo, colher uma flor sem maldade,
comer os frutos das árvores e encontrar beleza em tudo isto
como agora faço com os versos.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

ELE HÁ COISAS...


Há coisas que sim
e coisas que não.
Mais coisa, menos coisa,
coisas são.

Coisas do arco-da-velha
e outras que não têm fim,
que dão voltas, reviravoltas…
Nunca vi coisa assim.

E há coisas
que não são coisa nenhuma,
quando pensamos que há coisa
e a coisa não se consuma.

Dizem que há coisas e coisas,
verdadeiras, de fantasia;
coisas más e coisas boas
e coisas que eu nem sabia.

O que sobra é coisa pouca,
uma ou outra que espreita ou ousa
se for coisa que se veja,
como quem não quer a coisa.