terça-feira, 30 de agosto de 2011
A RONDA DOS DEMÓNIOS
Os demónios cercam-me a casa. É seu costume.
Os deuses deixaram de o fazer há algum tempo.
Mas não o fazem por inveja ou por ciúme;
apenas porque é o tempo agora o seu momento.
Tentam-me, espiam-me, induzem-me consentimento
a tudo o que é fácil, descartável e a bom preço,
e eu já farto de promessas, quase não argumento,
deixando que se convençam do jeito que lhes pareço.
O resto é fácil: como se faz às pulgas, entalam-se
entre as unhas dos polegares. É o mais comum.
Remédio santo: perdem de vez o pio; calam-se
à vez – a fila dos novíssimos arcanjos – um a um
e, mortos-vivos ou acabrunhados, danam-se
por não lhes vender a alma por preço algum.
domingo, 28 de agosto de 2011
MODO DE SER
Nem sempre divago além do ponto
onde a sombra se me assemelha:
mesmo sendo inevitável o confronto,
raramente acende a luz vermelha.
Dizem que é ser fraco, pouco ousado
deixar acerejar o ânimo sem reagir.
Mas aposto singelo contra dobrado
qual de nós será o primeiro a cair.
De tanto me fazer a vida negra
a cáfila inteligente da mó de cima,
faz de tal vileza a sua obra prima.
Eu vou tentando de forma íntegra
sem grande pressa e, por via de regra,
um modo mais seguro para a arrima.
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
PARA UMA MARCHA DA PRAÇA VELHA
Por aqui passa a gente
aos paços de antigamente:
passam cavaleiros peões
ao trabalho nas procissões
e com a gente a passar
passa o tempo sobre a praça
ai já não temos vagar
p’ra lhe achar a mesma graça
ref. S. Pedro tem as chaves
da rua de Santa Maria
e o povo tu bem sabes
as chaves da freguesia
menino da rua nova
vai fazer a tua prova
vem p’lo arco de regresso
trocas as voltas do avesso
menino enquanto demoras
na praça em cada quelha
o relógio bate as horas
que fazem a praça velha
ref. S. Pedro tem as chaves
da rua de Santa Maria
e o povo tu bem sabes
as chaves da freguesia
terça-feira, 23 de agosto de 2011
SOGRAS E NORAS
É muito frágil esta relação
em que tudo pode acontecer:
pela frente estão no coração;
por trás nem se podem ver…
É pelo príncipe encantado
que todo o enredo se tece,
ambas o querem ao lado,
o que nem sempre merece.
De candeias às avessas,
sempre a meter a colher,
zaragateiam, pedem meças;
é complexo ser mulher!...
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
JOGO BRANCO
De insónias se faz o sono,
toda a chona de solavanco.
Já se não é de si dono
e passa-se a noite em branco.
Há três gerações que é o isto:
faz-se da vida um tamanco,
a investir, a correr riscos,
vai-se a ver, sai tudo branco.
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
FACE E VERSO
Se o mundo tivesse rosto
seria ainda mais evidente,
numa das faces o sol posto
e na outra o sol nascente.
Tal como a cara da gente,
em que ser não é suposto
ter o mundo pela frente
e envelhecer de desgosto.
terça-feira, 16 de agosto de 2011
UM ADEUS COM CHUVA PARA A FOTOGRAFIA
Chove, chove sempre no adeus:
tem muito mais poesia…
Não sei se nos teus olhos, nos meus
é pura fantasia.
Adeus, adeus. Literariamente
repete-se o substantivo,
ainda que por dentro, literalmente,
não faça qualquer sentido.
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
ANDORINHAS DE PARTIDA
Eis as andorinhas de braços cruzados.
Para quem não sabe, deixo aqui a dica:
filhos criados, trabalhos dobrados,
para elas é norma que não se aplica.
Estão como quem toma balanço,
refasteladas ao sol que lhes dá genica
e a combinar a hora do avanço.
Não tarda nada, nem uma só lá fica
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
FOTOSSÍNTESE
Ah, o casamento (em segundas bodas)
do dióxido de carbono com a luz:
primeiro a água – engraça com todas,
que bem lhe fazem, seu ai Jesus.
É uma química que há nele,
mais os punhos de renda, todo um boneco,
leva-as à certa, que o sol para ele
é dama em traje de surrobeco.
terça-feira, 9 de agosto de 2011
ACORDO
o gato era um rato
e o rato era um gato
não por trocarem de fato
por acordo, era um facto:
o rato era um gato
e o gato era um rato
o rato morreu farto
e o gato de parto
ortograficamente
exacto
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
PEDRA A PEDRA
Uma pedra que arrima,
ainda outra pedra,
outra pedra em cima.
Não é a perfeição;
é no início
toda a construção.
Pode ir abaixo, cair.
Mas levanta-se
e torna a construir.
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
PAINEL DE AZULEJOS (PORMENORES)
Eu sei, Joaquim, que faltam pormenores aos pormenores…
Faltam a janela e o relógio do refeitório e todos saberíamos que os operários almoçam à quatro da madrugada; falta um operário na fundição e, enfim, faltam as cenouras ao “Sancho Pança”.
Mesmo assim, vale a pena publicar estas fotos, com um abraço para ti e para a Ana Maria.
No dia em que choveram sardinhas assadas na tua casa, com os meninos (grandes e pequenos) a Esmeralda e o Fernando.
Faltam a janela e o relógio do refeitório e todos saberíamos que os operários almoçam à quatro da madrugada; falta um operário na fundição e, enfim, faltam as cenouras ao “Sancho Pança”.
Mesmo assim, vale a pena publicar estas fotos, com um abraço para ti e para a Ana Maria.
No dia em que choveram sardinhas assadas na tua casa, com os meninos (grandes e pequenos) a Esmeralda e o Fernando.
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
O ESPECIALISTA
Aqui estou bem, sinto-me bem.
Sei do que falo. Sou especialista em estar.
De papo para o ar, olho para cima
onde o negro-azul me tranquiliza.
Outros chamam-lhe apenas noite.
Saber estar é uma disciplina complicada. Chumbei.
Todos apreciam estar, desejam estar.
Já quanto a mim, basta-me estar.
Faço seminários
onde as pessoas falam de coisas estranhas,
como por exemplo alguidares, sopa de vagens e de persianas.
(levam tudo para a brincadeira…)
Nunca estão onde realmente devem estar.
Às vezes nem eu mesmo sei onde estou,
sendo obrigatório que o saiba, pois sou especialista, como já disse.
Dizem que sou um chato,
não entendem o que é uma vida inteira dedicada a estar.
Quero ver como se desenvencilham
no dia em que deixe de estar. Será o caos.
Vou agora especializar-me em ser.
Será o segundo mestrado.
Afinal não poderia estar indefinidamente
sem ser e estar mais à-vontade.
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