segunda-feira, 29 de setembro de 2014

SILÊNCIO


No dizer das aves é que as palavras voam;
no dizer do sol é que as palavras ardem;
no dizer da água é que as palavras choram;
no dizer das árvores é que as palavras florescem.

E, ao dizê-las, todas as palavras morrem.

sábado, 27 de setembro de 2014

REIS PARTAM


É rei el rei se for bolo;
reinação, se o rei for tolo.

Abjecto rei de nu vestido;
rei momo é adjectivo.

Todos os reis, reis para tudo;
desde o bacalhau ao Entrudo.

De reis, até ao pescoço,
a quem tem dez réis no bolso

Copas, paus, ouros, espadas:
reis p’ra todas as jogadas

De um tal Midas, o toque
ficou sem rei nem roque.

Reis da rádio telefonia…
Reis partam a monarquia!

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

ÁRVORE


À medida que o tempo corre
flores e frutos vêm e vão,
dependendo da estação,
só a sombra é que não morre.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

DESCONSTRUÇÃO


A morte teria sido um exagero
ou pelo menos uma facilidade escusada, prematura.
É verdade que havia o sangue vazado dos joelhos
deitados abaixo, coalhado nos buracos da terra e nas frinchas das pedras,
o fémur fracturado, coisa pouca, e o hematoma
que lhe escureceu as nádegas até às lágrimas
mas nada comparado com os golpes fatais,
que matam logo ali ou adiam o último suspiro
para quando já se pensa que tudo não passou dum susto.
Finalmente podia respirar de alívio
por não ter ficado paraplégico ao saltar a vedação da quinta,
como a si mesmo tinha prometido,
caso fosse surpreendido a roubar fruta para comer.

Afinal a morte, como a fome, só acontece da cintura para cima…

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

AS MÃOS


Tenho uma mão que tudo sabe,
destra por natureza e feição
e outra, igual, onde tudo cabe,
do lado do coração.

Mesmo que a ideia desabe,
não perdem nunca a condição:
uma espera que a outra acabe,
seja qual for a função.

E por muito que me gabe,
nunca faltarei à razão,
dizendo que ao que uma sabe
a outra lhe dá a mão.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

DA INFÂNCIA



Puxei do pulmão
e soprei o balão
- ai que o balão rebenta

Joguei o balão
foi ao ar foi ao chão
- ai que o balão rebenta

o balão inchou saltou
e rebentou

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

MANIFESTO CONTRA OS POETAS DE ASSIM


Andam por aí zangados com os anéis de Saturno
e demais cósmicos e virtuosos passos de dança;
coçam a virilha cega, e a outra, e depois a pança
e pairam, sazonais, em ordem própria e por turno.

Deuses, os que têm barba e figura de indigente,
com unhas multiusos, túnicas austeras e ensebadas
que, em paralelogramos de papel dão palmatoadas
a quem se porta mal e recusa ser diferente.

Claro que há os prémios e o curriculum das medalhas
à mistura com vidas trespassadas de doenças e lamúrias,
diplomas de Pessoa, Camões e do Príncipe das Astúrias
e atrás uns quantos candongueiros, ilustres gralhas.

De todo o resto, não passam de figuras tristes:
metáforas anódinas, céus de chumbo, sonolência
e outras requentadas alquimias, como a falta de paciência…
Abençoada sejas, poesia, que a tanto resistes!

sábado, 13 de setembro de 2014

AXIOMA VIOLADO


Por que hoje é Sábado, brinquemos


Os pobres têm a barba crescida,
os ricos têm barriga;
correndo o risco de alguma ligeireza,
o contrário é erro da natureza.

Nada disto é ciência ou convicção,
apenas motivos de observação.
Eu mesmo, a quem a barriga cresce,
a barba me assedia e floresce…

Em que ficamos, que verdade é esta?
Como é que vamos sair desta?
Proponho: a barba cresce-me por gosto,
quanto à barriga… será imposto?!


quinta-feira, 11 de setembro de 2014

DOCES MEMÓRIAS


Como os tremoços, os pinhões
e as pevides, eram às medidas
as camarinhas, nos idos verões,
as guloseimas então admitidas.

Eram mel - empanturrada natureza -
as bagas e frutos daquela puberdade…
Veio depois o fim dessa pureza
e a austera e cruel realidade.

Agora são memórias, bagas melosas,
como tudo o que antes era delícia.
Já nada é um mar de rosas,
já nada é novo, nada é notícia.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

CHORÃO


Por que choras tu, criatura,
que mal te fazem, que é de ti?
Quem ousa disputar a tua alvura
teus sois, como nunca vi?

Bem vejo, as flores são amarelas…
Mas que diabo, passa ao lado.
A vida não é só telenovelas,
Não é só choro, não é só fado.

Presumo, fazem de ti capacho!
É o que temos, não se educa…
Mas se o preço é ficar por baixo,
tal não paralisa a nossa luta!

domingo, 7 de setembro de 2014

ESTRADA DO SOL


Ah se eu pudesse
percorrer  essa via
mas sempre anoitece

mas sempre anoitece

ah o que eu corria
sem pejo o confesse
era todo alegria

era todo alegria

mas o sol arrefece
na noite do dia
e sempre acontece

e sempre acontece

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

JOANINHA VOA, VOA!


Denodada joaninha: voa, voa!
E beija por mim todas as flores:
voa, joaninha, voa, voa, voa!
Para Lisboa ou lá p’ra onde fores.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

CANTIGA


Não venhas hoje à janela
que não estou para cantigas
e só por estar perto dela
me lembram coisas antigas.

Serenatas que então fazia,
a que achavas tanta graça,
hoje, se cantasse podia
quebrar-te toda a vidraça…

Não surjas ou ainda melhor:
manda mesmo emparedá-la;
talvez a cantiga de amor
se entenda melhor sem fala.