sexta-feira, 29 de julho de 2011

VÃO PENTEAR MACACOS


Há por aí criaturas, de ressaca,
que garantem que o leite em pó
(nada tendo a ver com o da minha avó)
é de vaca.


Que os sumos, embalados de forma astuta,
e calibre segundo sabores e formas,
respeita a lei e apertadas normas
e sabe a fruta.


O jamon, que é presunto de pata negra,
é espanhol de origem, nunca de Barrancos.
Isso juram pela mãe de todos os santos,
segundo a regra.


E anunciam a pequena maravilha
de bisnaga, essência de vaselina,
com sabores e extractos de areia fina,
que arde na virilha.


Ainda um kit com cheiro para os sovados,
champô e gel de banho com essências,
tudo das melhores proveniências.
Vão pentear macacos!

quarta-feira, 27 de julho de 2011

REMINISCÊNCIA

                                                    Mulher ao Espelho - Picasso
O espelho do pechiché era a moldura diária
do seu próprio corpo,
do seu rosto jovial de recém-casada, virgem e sem rugas,
de uma castidade prestes à consumação do amor eterno.
Reclinável, o espelho, decotava o vestido de seda
e aprimorava a imagem.
A figura era magnífica:
bela, sensual, com fantasias inconfessadas
e cândida como a primeira água da nascente.
O espelho do pechiché, dizia, era a moldura diária do sonho.
Tão real, que era difícil desmenti-lo
ou acreditar que o espelho permanece fiel
como no primeiro dia.

sábado, 23 de julho de 2011

SIGA SIGA


Há quem diga
que a fadiga
é inimiga
da formiga


siga siga


se se empertiga
é intriga
se arreia a giga
logo há quem diga


siga siga


como aquela rapariga
vizinha nem me diga
se o pão mastiga
ninguém liga
se anda à espiga
é mendiga


siga siga


é cantiga
de quem tem mais olhos que barriga

quinta-feira, 21 de julho de 2011

IMPRUDÊNCIA


Falei sim, de bravura
para enfrentar a fera,
mas não falei de loucura,
que exaure e desespera.


De coragem, quanto baste
como na morte o seguro,
não vá acabar em desastre
o que era p’ra ser futuro.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

AFINAL, EM QUE FICAMOS?


Que fazem aí perfilados?
Quem tem maior patente?
Nunca os vi por estes lados,
aqui não vem toda a gente!


Isto aqui não é caserna,
nem passerelle militar,
nem eu dona da taberna
para vos ter que aturar.


Sei a cartilha de cor,
não me julguem pel’altura:
não me levam a melhor
se ponho as mão na cintura.

domingo, 17 de julho de 2011

SEMPRE ESTRADA...


A estrada está por nossa conta,
do traço contínuo até à berma.
Pelo menos ninguém nos monta,
nem há quem nos passe a perna.


Pano para mangas, é o que te digo
- seja em que circunstâncias for -
e fica-te com esta, amigo:
ir para casa a pé, é bem pior.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

RETRATO DE POETA,

                                                sexta, dia de revisões e queixas

Nunca me fizeram um retrato
de poeta.
Mas fotografaram, pintaram e até esculpiram Pessoa
com o inevitável chapéu de feltro e o par de lunetas
que repartia com todos os heterónimos.
Não tenho um único retrato
de poeta.
Ao contrário de Walt Whitman,
que foi imortalizado em pose de patriarca iluminado,
velho, de barbas esgadanhadas muito além da decência
da pilosidade poética.
A Baudelaire que era feio, fizeram-no
com certeza por maldade.
Eu é que nunca posei
enquanto poeta,
com a mão apoiando o queixo, como os românticos
ou ambas todo o rosto, como os surrealistas.
Ou será ao contrário?


Vá lá, por favor, façam o meu retrato
de poeta,
que não tardam aí poetas do futuro,
desejosos de escrever sobre ele um ou dois versos
dum poema magnífico.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

ALDRABA

Eis a chave que tranca,
mestra por tal valor,
o nosso dinheiro na banca
para não lhe vermos a cor.


Ficamos tão ofuscados
com o vislumbre da massa:
luxo, p'ra mal dos pecados,
lixo, p'ro rating da praça.


Não passamos da cepa torta,
olha a grande novidade!
Então, ponham trancas à porta
e atirem-lhes com a chave.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

ENQUADRAMENTO DO PARDAL


……………………....................pardal
Mestre da evasão é o……….o
que de agilidade não tem falta:
podem, se quiserem, algemá-lo,
que ele dá a volta… e salta.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

FIGOS LAMPOS


O meu amigo Mário Quintas voltou a mandar-me fruta

Plantar figueira é cair,
dá no mesmo a quem tropeça.
Ir aos figos sem os medir
é melhor não cair nessa.


No aspecto, todos amigos
na condição que os convoca:
só que alguns comem os figos
e a outros rebenta a boca…

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O ÚLTIMO MILHO


pardais das pedras
ou de quem os prende com perdas
pardais de pronto confronto
com as migalhas
pardais de esperas e de ais
ideais quimeras
são demoras de pardais


a migalha esconde-se na pedra
pródiga na fenda que a consome
e não medra
é por isso que saltam os pardais
é uma dança de fome
deus não dorme é conforme
amanhã há mais

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A/C DOS AMIGOS QUE TENHO E QUE ME TÊM


Um dia destes atiro os poemas ao ar
e dou um grito. Não sabereis de tal asneira
pelos jornais, mas antes
por alguém aflito a protestar
pelo entupimento da caleira.


Poesia é os versos
que escorrem do telhado e não os meus papeis
perversos, o pergaminho,
que entopem pingo a pingo
o algeroz do vizinho.


Ah! Atendam a criatura. Por mim
é tarde demais, sem demagogia.
Acudam a quem sofre de sérias aflições,
não aos versos em papel
e literatura afim:
estou nas tintas para qualquer antologia.