Uvas é uma
palavra cheia e colorida
de
embriagada fantasia:
sonhos,
imaginação e porfia;
metade
pura ilusão, outra metade vida.
Uvas é uma
palavra cheia e colorida
de
embriagada fantasia:
sonhos,
imaginação e porfia;
metade
pura ilusão, outra metade vida.
Assim te relembro no que há em mim de mais profundo:
busto de mar e espuma; saia apertada, de areia fina…
e sempre que assim te lembro desvaneces e, imagina,
já te não vejo e o que afinal recordo em ti é todo o
mundo.
Todo o mundo, todo o mundo que me corrói e mina.
Íntimo, imaginado, que numa fracção de segundo,
me cega e convoca mais premente e mais fundo,
muito aquém donde começa; muito além donde termina.
Que é feito da notícia?
Ainda há pouco tão falada:
um militar, um polícia,
uma notícia fardada.
Depois civil, rebuscada,
em entrelinhas, obscura,
ainda assim noticiada
e livre de qualquer censura.
Parangonas de matutinos,
o máximo que as páginas consentem,
tocam a rebate os sinos
notícias que os vespertinos desmentem.
Em caixa alta, a nota da redacção,
esclarece com esmero e perícia,
que má notícia, em primeira mão,
é sempre uma boa notícia.
Sem norte e a terra definhada
aos pés, a olhos vistos;
os deuses meteram-se em tal alhada,
que em vez de deuses são Cristos.
Pediram orações, oferendas, andores
e galgaram como perdizes acossadas
a contar os óbolos em troca de favores.
Corvos - eram corvos - em cima das ossadas.
Exibiram então mezinhas, elixir medonho,
limões podres e demais fruta ácida e repugnante,
nada de doces, sequer de adoçante
e por fim, quando o perigo for já distante
exibirão fortuna abençoada, coroa e turbante…
E se tal ainda não se enxerga terá sido um sonho.
O que me mentem as tuas mãos, quando acenas?
Sei lá se te despedes com ganas ou me dizes adeus,
com ares de exuberância imitada ou apenas
fátua negaça, se me insinuas vem ou vai com deus.
Tenho dúvidas, tenho por traquejo muita dificuldade
em saber se realmente me honras e me tens em alta
ou se apenas é comum em ti dar azo à vulgaridade
de adeusar quem fica e adejar a quem já não te faz falta.
Cobro o mesmo: sou amigo de quem sempre fui;
não precisas de fingir, nem te exijo esse empenho
e não tenho pretensões ao que do nada nasce ou flui,
mas apenas do que de amizade por ti ainda tenho.
Ancorada a caravela, que mais posso
se não amarrar com ela, junto ao cais
e pedir, de proa ao vento, um osso,
uma sopa aguada e pouco mais?
Já tudo está à vista; a limpo e descoberto:
dúvidas e sombras dantes cultivadas,
hoje são pobres ilhas ou desertos
sem gente, almas e outros predicados,
que não seja luto, fealdade e desamor;
consentimento de fé, gente profana,
dependendo apenas do letal valor,
seja planta, bicho, mineral ou raça humana.
Pela verdade, voltando ao ponto de partida,
desenhado no cais, parede da memória,
que posso ser, quem me dá o silvo de partida,
onde acabo eu e começa a história?
Ter-te de corpo inteiro só de olhar era o segredo…
Até isso me negaste, ó humanidade contrafeita!
Passas, ombro a ombro e olhas como quem espreita
e eu tremo, não sei que diga, mas tenho medo.
Dizes-me, de longe, que o asséptico conceito
previne a contaminação e que o álcool, o detergente
e a distância são provas de amor, do novo afecto.
Por hoje sê rebelde e dá-me um beijo; é urgente.
Noite de vela
o menino chora
papão vai-te embora
da sua janela
o menino chora
em desatino
pela noite fora
não dorme o menino
o dia demora
demora o destino
e o menino chora
que é pequenino
papão vai-te embora
deixa o menino
sonhar noite fora
que é palestino
Era de outro tempo
hera de agora
aqui não há magia, há lamento
e tarda para mandar embora.
Bati à porta,
ninguém retorquiu quem era
presumiram vento, folha morta,
incúria de quem não espera.
Era o que tinha de ser,
hera tudo o que tem,
o resto é bom de ver:
era em nada e hera também.
O
tempo passa e vou com o vento…
de
manhã esfrego as mãos como quem reza:
é
um modo de permanecer atento
e
ajuda a ter, pelo menos, meia certeza.
Quando
a tarde cai e o dia escurece
é
hora de avaliar o bom e o seu contrário.
São
contradições de quem permanece
e
vai retirando folhas ao calendário.
Haveria
de ter sido um pássaro, ocre,
de
olhos bem abertos, como se encantado;
aquele
que por ser desenho não sofre,
em
vez de sofrer de tanto ter voado.
Querem
encontrar-me, saber quem sou?
O
silêncio basta, mapa não é preciso:
um
pássaro que sem querer voou,
algures
entre uma lágrima e um sorriso.
Ondina veio de novo esta noite dar-me um beijo
enquanto dormia, enquanto sonhava,
enquanto me afogava nas águas de um pesadelo.
Ela conhece a minha respiração ofegante
e a estupidez da minha claustrofobia.
Diz-me que os seus beijos são terapia bastante
e as ondas sensuais do seu corpo são o embalo de que
preciso.
Ela ama-me enquanto eu me amarro
de unhas e dentes ao bote que me leva mar adentro.