À
tardinha, quando finalmente cheguei à falésia, já os adoradores do sol-posto se
perfilavam, regulando as objectivas e equilibrando os tripés para fixação das
máquinas fotográficas. Em suma, preparavam-se ansiosos para o melhor ângulo do
ocaso diário.
Ocorreu-me
a rábula humana sobre o elogio exagerado dos entes falecidos, esses “santos inolvidáveis”
mas não era para ali chamada tal circunstância. O meu propósito era unicamente
apreciar a profundidade da falésia e daí receber inspiração e tranquilidade que
precisava.
Não
seria desta vez, pensei. O aparato de fotógrafos, que quase se acotovelavam,
tal era o frenesim; os cliques de som metálico das respectivas máquinas; toda a
inquietação daquele local iria trair os meus planos e a minha atenção ficou
colada ao espectáculo insólito oferecido pelo magote de adoradores do Sol.
O
aparente movimento da grande estrela, obrigava-a a mergulhar no oceano imenso.
O horizonte azul depressa se tornou vermelho, incandescente. O Sol afundava-se
no que, ironia da beleza, sugeria a própria morte. Sabia-o eu e sabiam-no
aqueles que se preparavam para o assombramento da falsa morte ali anunciada. Na
verdade, amanhã haveria de reaparecer no lado oposto ao que agora desfalece.
As
máquinas fotográficas dão início aos “disparos”, parecem grilos roucos em
uníssono. O por do sol fica assim guardado para cada um, para memória futura.
Avidamente.
Olhei
a falésia até ao mar, que se lhe arrimava com brutos modos e se desfazia em
espuma branca, casta e inocente. O encantamento vertiginoso dessa imagem
obrigou-me a segurar os restos do Sol que se despedia no horizonte longínquo, contagiado
por aquela estranha enfermidade de também querer ter um sol só para mim e que, moribundo, já não nos pertencia.
Por
uma vez prevaleceu a justiça. Naquele instante o Sol morria para todos.