
corre a água para onde corre
a água para onde
corre a água
de montante para jusante e ali jaz
água jazz
Sem terra fui lavrador,
dono das estrelas do céu.
No chão junquei meu suor
mas de nada me valeu.
Do frascal até à seara,
como as palmas das mãos,
conheci ruins e sãos,
do vulgar à coisa rara
e até a ferida que não sara.
Na terra esqueci a dor,
suportei frio e calor,
acordei nela manhã cedo,
mas revelo agora o segredo:
sem terra fui lavrador.
Tive braços para ceifar,
para espalhar as sementes
e colher frutos pendentes.
Com pouco mais para dar
que o corpo para trabalhar,
todo o universo foi meu,
enquanto pude, enquanto deu.
Só ao deitar fui morgado,
senhor de mim já cansado,
dono das estrelas do céu.
Não conheceu abandono
porque foi maior o amor,
quantas vezes feito de dor
à terra de que fui dono,
e digo-o em meu abono:
soube seus desejos de cor,
confortei-a, dei-lhe amor,
e sem pedir nada para mim,
reguei-a como a um jardim:
no chão junquei meu suor.
A idade passou-me à frente
dos anos que não dei conta.
Mas hoje já tanto monta,
pois já só tenho o presente
e pouco daqui para a frente.
Do quanto pude ser eu
ou do que esta vida me deu,
o que me toca mais fundo
foi ter toda a terra do mundo
mas de nada me valeu.