segunda-feira, 11 de março de 2019

LUPANAR


Venho para dormir. Desculpa, tenho sono.
Antes o teu perfume barato, de dissecadas violetas;
o teu hálito de álcool e tabaco, que apesta todo o quarto;
o teu sorriso de dez euros a cada meia hora;
enfim, o teu corpo nu deambulando no escuro…
Venho para dormir. Desculpa, tenho sono.
O ar está irrespirável do lado de lá da janela,
sufoco e não consigo adormecer um só segundo.
Tenho o corpo dorido como imagino o teu,
a cabeça vazia ou demasiado cheia de coisa alguma,
que faz de mim um marginal, um autómato tão frio
como estão agora os teus pés descalços.
Venho para dormir. Desculpa, tenho sono.
Abraça-me e dorme, podes beijar-me os ombros,
não os sinto por tudo o que têm carregado e só eu,
não eles, sou capaz de expressar.
Não recordo se é noite ainda ou se o Sol nasceu de novo,
mas não importa, venho para dormir
e prefiro não pensar nisso. Tenho sono, muito sono.

Agora sim, há mais espaço livre nos meus pulmões,
tudo me parece asseado, tranquilo, tu mesma a encarnação
da castidade como no melhor dos sonhos.
Mas como antes te disse, venho para dormir, apenas.
Empresta-me os teus gritos de silêncio e não me acordes,
pelo menos até sentires que sorrio como fazem os loucos.