Adoptado pela cidade, vejo os meus concidadãos passar
debruçado na varanda de um terceiro andar.
Nada de espantar: fiz o mesmo na aldeia natal, no poial
da porta rasa. Se diferença há é de altura e de perfil;
as pessoas são como as pessoas são.
Uns de fartos bigodes ou gordos de não poder mais,
outros estreitos como frestas. Carecas, mancos
fazendo equilíbrio num par de muletas.
Damas e moçoilas, que a esta distância me parecem todas
belas.
Crianças, essas passam duas vezes, a primeira
por se terem escapado e a segunda porque enfim
regressaram
ao chamamento imperativo dos pais.
Nem sempre os mais hirtos são os mais verticais ou,
dito de outra forma, nem todos os que passam de espinha
direita
a mantêm nos outros caminhos fora do alcance da minha
varanda.
Há os que choram, os que levam pressa e outros tantos
que o vagar lhes permite olhar para todos os lados,
acenam-me lá de baixo e eu faço-lhes adeus também.
Muitos passam de automóvel sem tempo para mais nada.
Mesmo que não passasse ninguém, a varanda
do meu terceiro andar continuava a ser a minha atalaia,
mesmo que não fosse no terceiro andar e não tivesse
varanda,
haveria de imaginar tudo isto e escrever este poema.