Criei este blogue em 24 de Março de 2009 com o intuito de divulgar sobretudo os poemas que vão ficando órfãos (não editados em livro). Resultado: 570 publicações, 839 comentários (que retirei há já algum tempo), mais de 50.000 visitas (o counter das bandeirinhas no rodapé da página inicial só foi adoptado em finais de 2010). Divulgar os poemas que me iam surgindo foi assim o objectivo principal. Entretanto, por razões de força maior que só eu estou em condições de entender, manifestou-se nos meus poemas um estilo diferente. Abandonados os “estilos” mais incipientes dos primeiros livros e o “coisismo” dos anos 80, o modo de escrever tornou-se mais consistente e, ao que julgo, definitivo. Não tenho nome para lhe atribuir ou, dito doutra forma, ninguém lhe outorgou qualquer engagement., como normalmente acontece nestas situações. Não falando na ficção em prosa de Mar de Pão e Súbita Floresta, no início deste ano de 2012, um novo estilo poético veio moldar-me a arte de construir os meus poemas. Não foi suficientemente forte para que o adotasse, mas interessante para que o mantivesse em paralelo. Criei por isso um heterónimo – não se trata de pretensiosismo, mas da necessidade de separação das águas – que, em boa verdade, já existia desde os tempos de Cabo Verde, no Novo Jornal. Falo de João Corvo, que tem vindo a publicar em Corpo de Poema com alguma regularidade. Agora, passados 60 anos de vida e 40 desde a edição do meu primeiro livro de poemas, achei oportuno (o critério é meramente estatístico) publicar os cinco poemas mais vistos no blogue. Agradeço aos meus leitores a atenção que sempre quiseram dispensar-me ou, como dizia um velho merceeiro que conheci há um par de anos, voltem sempre!
ESTRELA DO NORTE
Há um corte
entre o dia e a noite
vigiado pela estrela do norte
augura boa sorte
este ponto que me persegue
ainda a estrela do norte
quase sinal de morte
é um quieto silêncio
e apenas a estrela do norte.
DO AMOR
Que é do amor o rumo que nos leva
por desertos de areia e pedra dura?
E que é daquele outro que releva,
mas que o próprio amor não cura?
Que é do amor que sangra e dói,
que por ser amor é seu oposto,
padece de vontade e não corrói,
nascendo em cada dia já sol-posto?
Mas se o amor é a água que sacia
de um sorvo toda a sede presumida,
é também o que seca de agonia
por dentro e de forma consentida.
Corrompe para viver e, por ironia,
morrer de amor é como ganhar vida.
ROSMANINHO
Rosmaninho, companheiro
de tristezas e alegrias,
dá-me a mão, mas primeiro
vem comigo à romaria.
Teu cheiro é a matriz,
como se fosse uma senha:
quando te levo ao nariz,
lembra-me a campina d’Idanha.
És, no fundo, o caminho
que me conduz mais além,
na esperança de ver, rosmaninho,
em Idanha a minha mãe.
ROSA TREPADEIRA
Olha a rosa trepadeira
tão sensual e melosa,
pisca-me o olho, brejeira,
estás a abrir c’ma rosa…
Novelinhos de algodão
são, rosa, os teus botões
que, com tal palpitação
me sugerem corações.
Trepa rosa trepadeira,
vai subindo para o céu,
que o meu olhar é cegueira
quando se cruza no teu.
REMISSÃO
Agora vejo o rubor do teu rosto,
a aurora boreal do teu olhar.
Vejo açucenas e fogo posto
queimando-me dentro e devagar.
E uma centelha de luz e flama
fulmina-me. Fico cinza e nada,
fumos, pó, restos de chama;
um chão estéril após a trovoada.
Ainda assim sou lisonjeiro,
como pé de água sobre brasas:
detono as veias e, prazenteiro,
troco as minhas armas por asas.