quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A CRÓNICA

Este desenho de H. Mourato, ilustra dois poemas meus na Revista SIRGO e está em http://sirgocadernodeletraseartes1.blogspot.com/2009/08/poemas-de-joao-de-sousa-teixeira.html



A crónica nem sempre flui como a água da fonte. É, na maior parte das vezes, recorrendo à sátira dos costumes, ao mal-estar que sentimos e nos fazem sentir aqueles que têm por obrigação e voto expresso, o mandato adornado de promessas de bem-fazer.
Outras vezes é a azia, Velho do Restelo dos tempos modernos, que faz a diferença.
Não deixa, no entanto, de ser um certo modo de zurzir em tudo o que magoa ou simplesmente incomoda, já que não se dá a volta ao mundo desta forma, nem com esta fórmula.
O Jordi é um amigo catalão. Raramente se expressa em castelhano, embora as circunstâncias lhe tivessem imposto estudar nessa língua da degraçada Hispania/ de belo nome, rosal de minúsculas pátrias! (Francesc Vallverdú).
Prefere, ao contrário da maioria dos nuestros hermanos, tentar o português, que diz ter muitos vocábulos semelhantes na sua língua, para melhor se aproximar e fazer-se entender. Eu não sei se isso é bom, mas sei que a sua intenção é ser simpático e agradável, sobretudo quando falávamos de poesia portuguesa e catalã e ouvíamos, com o volume no mínimo, as canções de Joan Manuel Serrat, não fosse o som despertar os diabos ainda mal adormecidos, que nesse tempo nos ocupavam todos os sentidos.
Numa das últimas vezes que nos juntámos e jantámos, disse-me que, se fosse português, o seu nome seria Jorge, como Jorge de Sena, e foi tão solene a sua comparação onomástica, que passámos uma noite inteira rindo, a troçar do despropósito – “mortais ou imortais, todos mentiram” – como disse Sena.
Talvez fosse mais comovente falar das lágrimas de D. Juan Carlos de Espanha no funeral da sua nobre progenitora ou divertido, se discutíssemos o desempenho do Barça na Liga espanhola. A verdade é que não entendemos patavina de tais mistérios e nada nos interessa o diz que disse!
A nossa amizade foi cimentada num tempo em que a dor catalã encontrava, e em muitos e essenciais aspectos encontra ainda, paralelo em demasiados recantos ibéricos: o tempo da ditadura fascista; o tempo da repressão cultural e política castelhanas de Franco, que, por ironia, era galego.
Então, as notícias eram escassas, clandestinas a maior parte, mas nem por isso menos importantes, muito pelo contrário. A solidariedade era uma palavra de ordem com significado e o peso de uma luta comum; não tinha senha de presença, consumo obrigatório ou patrocínio comercial altruísta a descontar nos impostos.
Provavelmente saturo-vos com estas pieguices substantivas. Também as palavras vão tomando novas qualidades, e na sociedade global já não há lugar para palavras/sentimentos simples, como noutro tempo, o entendimento bilingue representava uma comunhão internacional de sentimentos, de vontades e de esforços. Ser solidário hoje é o que a net (rede) trouxer à tona, o que os audiovisuais quiserem meter-nos pelos olhos dentro. Hoje há quem se preocupe em exclusivo a talhar-nos para a comoção mediática, a notícia dramática, a lágrima de crocodilo, e desta forma vamos dando conta de solidariedades domésticas em jeito de pós-de-maio.
É assim que nos tornamos facilmente simpáticos, adeptos incondicionais ou viscerais inimigos, árbitros de alcova de concursos capazes de enaltecer a estupidez do ser humano até à auto-humilhação inconsciente (?), comentadores basbaques de acidentes rodoviários e outras catástrofes.
Nostalgia bacoca e inconsequente? Não. Direi que se trata de valores diferentes, o próprio cérebro discorrendo e as mãos estendidas sem intuitos de recompensa. Dito assim parece ridículo, mas é, certamente, mais humano.
Jordi nasceu em Manresa, perto de Barcelona. Dá-me um certo prazer dizer-lo. Apesar disso preferia que ele fosse meu conterrâneo, porque gosto dele. Compreendo-o quando maldiz da sua terra e dos seus. Com alguma frequência faço o mesmo. Não somos, por assim dizer, de amar com três pedrinhas na mão, mas dizemos muitas vezes como Maragall: Home só i és humana ma mesura, isto é, sou homem e humana é a minha medida.

5 comentários:

  1. Hum... Muito bem escrita tua crônica Poeta! Aliás, como sempre tudo que escreves.
    Ótimas e reflexivas observações!!
    Meu beijo de bom dia! Ro

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  2. A amizade verdadeira é escassa...
    Vivemos em um mundo em que poetas são insanos...
    O ROMÂTIMOS É DITO COMO CAFONA...
    Interesses apenas monetário se faz presente..
    Como é bom sentar com amigos verdadeiros e dialogar sobre as manifestações verdadeiras da vida...
    Que nos faz sentir ser humanos dotados de inteligência mas também de sentimentos nobres...
    Isso não se faz muito presente hoje...
    Às vezes saio e observo homens de uma dita sociedade admirável...
    Falando de negócios...
    Que já foi dito durante todo seu percurso de trabalhos ou de mulheres...
    Cinta-nos na maioria das vezes como objetos...
    Isso me faz sentir náuseas...
    Prefiro ser descrita como sentimentalista...
    Mas perceber que a vida é dotada de sentimentos que nos leva ao crescimento intelectual de uma maneira gostosa de sentir a vida...
    Um belo dia meu AMIGO João!!!
    BJKS...
    CHRYS
    ;)

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  3. Agradecida por me fazer assistir este vídeo lindo...
    Realmente meus olhos castanhos são olhos risonhos e cheios de sonhos...
    Os mesmo refletem o coração que tenho hidratado do sentimento denominado de amor...
    Agradeço por sua gentileza e carinho...
    Bjks...
    Chrys
    ;)

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  4. QUERIDO JOÃO BELÍSSIMA CRÓNICA, ADOREI!!! ESTIVE A LER O TEU BLOGUE, LINDÍSSIMO... PARABÉNS!!!
    ABRAÇOS DE CARINHO,
    FERNANDINHA

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  5. Como o POETA disse:

    "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
    Muda-se o ser, muda-se a confiança;
    Todo o mundo é composto de mudança,
    Tomando sempre novas qualidades.
    ....
    Do mal ficam as mágoas na lembrança,
    E do bem, se algum houve, as saudades."

    Camões

    Um beijo

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