domingo, 23 de abril de 2017

TODAS AS MANHÃS



Todas as manhãs acordo com a incómoda veleidade
de escrever o poema duma vida.
Aspiração patética e vã: a poesia não é determinável!
Nasce nos olhos, percorre as veias, anda por aqui
saltitando como uma corsa em tempo de cio,
oferecida ao impulso masculino da preservação da espécie:
mentiras rebuscadas, arredondadas, rimadas…
A poesia vai no sangue e não consigo estancá-la
para vos mostrar o poema da minha vida,
para vos dizer o poema que tenho em mim,
para vos poemar o que nunca explicarei convenientemente.

Não é fácil suster o ímpeto de dizer
tudo aquilo que o poema leva dentro
e eu dentro dele ou ele dentro de mim.
Primeiro vêm as águas – umas feitas de violentas ondas,
outras quase riachos à procura da foz,
que os liberte enfim da opressão das margens –
Depois, tudo acalma e se transforma em bolas de sabão…
As palavras chegam por fim. Enxutas, buriladas,
mas nem sempre exactas; raramente verdadeiras.
Às vezes são como um sol brilhante e quente e outras
não  passam de pequenos anjos seminus,
chorando para que lhes mude a fralda…
Todas as manhãs o mesmo incómodo, todas as manhãs!