Se o mundo teve um início, como eu espero,
imagino que irrompeu da treva
ao som de uma música, também primordial,
onde predominavam os címbalos, os fagotes
e os tambores, de enormes proporções,
ainda em embrião. O resultado terá sido estrondoso,
por não existir pauta ou director de orquestra.
O mundo terá saído desse caos musical,
que o impediu de nascer perfeito e harmonioso.
Deuses houve, mais tarde, a reclamar para si
a autoria de tamanha obra,
sem saberem uma única nota musical.
Os primeiros acordes, estou certo, eram gritos
da terra nua, rompendo águas e negrumes:
o mundo chorou ao nascer, não seria de outro modo.
Serenou depois. Deixou-se cobrir de nuvens
e o seu corpo tornou-se num imenso colo de água.
Por esta altura surgiram violinos e violoncelos
a imitar ventos e medonhas tempestades.
E de novo se intrometeram os deuses, com os querubins,
soprando flautas, dedilhando harpas, suspensos.
Apesar de tudo, imagino que o mundo
só podia ter nascido ao som de música,
porque ninguém lhe sobrevive
e nada pode existir na sua ausência.