sábado, 10 de abril de 2010

CUIDEM-SE


Que se cuidem os que apagaram as vésperas na memória
e desdenham do dia que virá
que se cuidem os que falam por falar e os que não têm boca
para abrir
que se cuidem os troianos e também os gregos
e todos os que por enquanto não têm nacionalidade definida
ou a rejeitaram ou mesmo
os que nunca deviam ter nascido em parte alguma
que se cuidem os que têm família de nome
os que perderam toda a família numa catástrofe natural
e os que naturalmente rejeitam a família
que se cuidem os ignorantes os indigentes os estultos os marginais
porque deles são os reinos dos céus
e deputados ministros senadores e presidentes
porque deles são os reinos da terra
que se cuidem locutores e jornalistas que nos dão conta
de todo o lixo noticioso à hora da refeição
os que parecem pedir desculpa pelas más notícias
e os que dizem ou escrevem fingindo dor
ou mordendo teatralmente o lábio inferior
que se cuidem os cegos os que não querem ver
aqueles a quem foi tirada a possibilidade de ver
e os outros que vêem mais do que devem
os vesgos e os estrábicos
bem como os que vêem apenas o argueiro no olho do parceiro
que se cuidem os modernos mercenários
seja qual for a cor do capacete e o alfabeto da cartilha encomendada
que se cuidem os deuses digo todos os deuses
incluindo os fundamentalistas apáticos e desinteressados deste mundo
se de outro não fizerem parte
que se cuidem os doidos varridos desde poetas
aos mais humildes maníaco-depressivos
que se cuidem os narcisos e os que já não se suportam
que se cuidem os agentes humanitários e as gentes cuidadas
que se cuidem todos incluindo os que julgam tê-lo feito sempre
o critério é que aparentem os cuidados universalmente aceites
mas cuidem-se
porque o mais pequeno descuido pode ser a morte do artista.