terça-feira, 30 de julho de 2019

POEMA PASTILHA ELÁSTICA


Ao princípio doce,
convém mascar
como se fosse
massa alimentar.

Pastilha mascada,
digo, o poema,
e a rima plasmada
sobre o tema.

E a fome gorou-se
sobrou ilusão
acabou o doce
pisado no chão.

Poema mascado,
digo, a pastilha,
está no mercado
esta maravilha.

domingo, 28 de julho de 2019

A TEMPO


A cada instante, o tempo mata. Silenciosamente.

sexta-feira, 26 de julho de 2019

SOL


pálido rosto
um sol só
já sol posto
de sol e dó

lento o sol
devagar
como caracol
a navegar

últimos ais
tara perdida
amanhã há mais
sol e mais vida

quarta-feira, 24 de julho de 2019

MAR


Os de terra falam com o mar:
- oh, do mar, bradam daqui,
quem nos leva a navegar?
Onda que nos salve, que nos guie!

E os do mar em silêncio profundo,
em seu voto de clausura,
já não dão mundos ao mundo,
nem sendeiros de aventura,

nem sereias mansas e belas;
monstros, cruzes de Cristo, caravelas.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

LUA


De modas, melhor, de fases,
sobre a Lua que mais acrescentar?
Dada aos enigmas, aos quases,
insegura e nunca de fiar.

Suspira e dizem que cativa
Porém, de encantos não seguros,
os seu mistérios de branca diva 
são marés e partos prematuros.

Branca, como é branca a castidade,
tudo o que se disser ela consente
excepto, todos sabemos, a verdade,
porque a lua, por natureza, mente.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

NATUREZA MORTA


Há dias que nascem velhos, até para as flores.
Cinzentos como pedras em lençóis de bruma,
roubam ao sol a claridade e as cores
e tudo morre, tudo fica sem graça nenhuma.

Ando aqui às voltas com umas pétalas de rosa,
que ontem encontrei perdidas no chão…
Já não têm vida nem o seu cor-de-rosa,
mesmo assim, abandoná-las parte-me o coração.

Envelheceram; perderam além da vida, a mãe,
que o foi a tempo inteiro e lhes deu todo o perfume.
Agora jazem na minha mão como se eu fosse também
seu igual na sorte, ardendo no mesmo lume. 

segunda-feira, 15 de julho de 2019

O CÉU A SEU DONO



No céu que vejo eu de novidade,
senão este ou o mesmo sol de antes,
nuvens estas ou apenas claridade,
erráticos pássaros em voos constantes?

Beirais, abaixo, rendilhando a luz da lua,
prazenteira em seu jeito de engodo,
enchendo-me de brilho a casa e a rua
de ilusões e céus de outro modo.

Deuses não vejo, sequer a sombra;
um turbante flutuando ou rasto,
e é este que não vejo que me cobra
o céu que não uso, de que não gasto.

Não há céu que assente como luva
mas que posso contra, outro há?
Se não me livra de calor ou chuva,
em cima também não me cairá.

sábado, 13 de julho de 2019

CARAVELA


O tempo voa com o vento,
numa espécie de adivinha:
se é o vento ou o tempo
que faz rodar a ventoinha.

O tempo não passa por ela,
passa o vento, ela dança,
faz de mim uma criança,
brincando com a caravela.

E neste soprar do vento
volteamos a vida inteira,
na corrida contra o tempo,
cada um à sua maneira. 

quinta-feira, 11 de julho de 2019

ORAÇÃO DOS CONSTRUTORES CIVIS


O caminho será longo e difícil – diziam –
e de pedras, acrescentavam os empreiteiros.
Veio depois o cinzento; o cimento como o viam
e o sol morreu às mãos dos engenheiros.

O casario cresceu como caixotes em pilha,
pedra sobre pedra, tijolo sobre tijolo
em alindadas avenidas, prosaica ilha,
brotavam ervas daninhas em fértil solo.

A um tempo opulência e miséria franciscana,
pechisbeque trocado por ouro de lei;
omnipresença publicitada em fé profana,
agiotas e otários, peditórios para os quais já dei.

O deus dinheiro abençoado em tal crença
corrompeu, lambeu botas nos bairros da cidade,
demais obras simuladas vieram marcar presença
mas nada consta nos livros de contabilidade.

terça-feira, 9 de julho de 2019

O CASARIO




No casario quem mora,
canta, ri ou chora;
quem tem calor ou frio
e quem se foi embora,
já não mora no casario?

No casario quem come
ou se alimenta de fome
e tem a vida por um fio.
De quem e em que nome
se consome o casario?

No casario, por fora,
vive a luz, por ora.
E dentro há vela ou pavio
que alumie quem lá mora
ou é negro, dentro, o casario?

Que sabemos nós de quem mora
se os olhos só vêem  por fora?

domingo, 7 de julho de 2019

SEGREDO


Haverá segredos macios como veludos
e outros tão frágeis como o vidro;
muitos, bem reservados, os cabeludos
e mais os que contados davam um livro.

Bem guardados, aqueles, a sete chaves,
e também os que não chegam a sê-lo…
Uns são sisudos, de poucas falas, graves,
outros alarves segredos de Polichinelo.

Creio bem que segredo é só de nome,
e mais tarde ou mais cedo morre o capricho,
o tempo ditará o momento em que se finda.

Então, já todos poderemos saciar a fome
do mistério que esconde tal cochicho, 
mas por ora está oculto, é segredo ainda…

sexta-feira, 5 de julho de 2019

CABO VERDE


                          São cisnes
                                               de bronze
                                                                           e sal

                                   à beira mãe

                                   deixai-os navegar
                                                                           ventos
                                                                                        chuvas

                                   são filhos d’África
                                   ilhas de ternura




                                  

                                    

quinta-feira, 4 de julho de 2019

TÉDIO


Vou ficando farto disto tudo,
pese a minha paciência de elástico,
cansam-me a estupidez do mundo
e os poetas com lágrimas de plástico. 


quarta-feira, 3 de julho de 2019

MEMÓRIA FUTURA


A ideia de me encontrar num futuro remoto
não está completamente posta de parte:
eminente  vate, rotulado de coisista, morto,
não sabendo ainda se todo o verso é arte.

De uma coisa, pelo menos, tenho a certeza:
ninguém vai encontrar por ali a poesia,
que o legado em versos é somente natureza,
enquanto a dita com o poeta morreu um dia.

Aplaudam, no entanto, a mágica composição
de usar palavras comuns –sombras e ardis –
e com elas tanger as harpas do coração.

E interpretem, tomem-nas em mãos, como se diz,
e cantem-nas como se fosse vossa essa canção,
que também foi para isso que um dia a fiz…

segunda-feira, 1 de julho de 2019

LUA AUSENTE


Ao cimo da ladeira,
ao fundo da rua,
abre a clareira
e vê-se a Lua
nublada, errante,
despida, nua,
em quarto minguante,

em quarto minguante,
despida, nua.

De candeia acesa,
de nuvem vestida
não tem a certeza
se a luz é devida
ou se a consome
uma réstia de vida
por quem a tome,

por quem a tome
uma réstia de vida.