terça-feira, 12 de janeiro de 2010

DO MAR À TERRA, DA TERRA AO MAR

Há muitos anos que considero a Vila da Nazaré, a par de Castelo Branco, como minha terra. Adoptiva, é certo, mas não menos amada, bem como as suas gentes.
Tenho naquela terra de pescadores, amigos, famílias inteiras de quem, por vezes, já não reconheço os filhos mais novos como, aliás, acontece em Castelo Branco. Tenho também em ambas memória de amigos que já não estão entre nós. Sinto-me honrado com a empatia gerada nesta minha terra adoptiva.
Mas de quem eu queria falar era do Joaquim António, o meu primeiro grande amigo Nazareno. Ainda era embarcadiço quando o conheci. Andava num petroleiro meses sem fim e dava à costa no verão, altura em que nos encontrávamos. Era um homem alto, vermelhão de carnes, de cabelos loiros quase nunca penteados, nariz aquilino e com um coração do tamanho duma traineira. Na verdade, passava por turista inglês. Dizem que com algum sucesso com o sexo oposto. Faleceu há meia dúzia e anos.
Chegou o tempo da reforma e o bom Joaquim António regressou à terra natal, depois duma vida de trabalho pesado longe de casa. Passeava-se pela praia, que é como quem diz, fazia umas piscinas na marginal, sempre inquieto e cheio de ideias para contrariar a falta que lhe fazia a actividade no mar, que por ironia era a sua terra de uma vida.
Um dia disse-me, irradiando contentamento por todos os poros:
- Já sei o que vou fazer. Compro umas artes (barco e redes) e vou entreter-me na pesca.
Achei boa ideia, mas esta é outra estória que não quero contar hoje.
O negócio haveria de se revelar desastroso nas mãos dum homem que o pouco que pescava – a Nazaré já não tem o peixe de outrora – era oferecido mesmo antes de chegar ao paredão, quanto mais à lota. Nem com arte xávega lá chegaria…
Só pelo brilho dos seus olhos de regresso ao mar valeu a pena. Mas não era vida que desse frutos.
Continuou os seus intermináveis passeios entre o picadeiro e o Porto de Abrigo até que nova ideia surgiu. Tão entusiástica como a primeira: Iria abrir um restaurante.
- E já está decidido. O prato forte é a caldeirada à nazarena.
O Joaquim António voltava a sorrir, o seu corpo movia-se de novo com a vivacidade própria de outros tempos, apesar dos seus sessenta e muitos, nunca exactamente revelados.
- Mas o restaurante vai ter uma característica especial. – E esclarecia – Vai ser colocada uma caixa à saída e são os clientes a fazer o troco.
Um ou dois anos depois a dita casa de pasto tinha encerrado. Ao que parece, havia quem comesse a refeição sem pagar e ainda levava troco. Assim não há negócio que aguente!
Mais tarde, já após o seu falecimento, confidenciou-me um amigo comum:
- O Joaquim António passou demasiado tempo no mar; não conhecia as pessoas em terra. Na sua terra.
Ao Aníbal Freire
e em si a todos os nazarenos de bom coração